Carlos Semedo
Jerusalém
Recentemente, Miguel Esteves Cardoso, na sua crónica no jornal Público, exortava o leitor a tomar partido, no conflito em Gaza. Na sua opinião, sem qualquer dúvida, é preciso estar do lado dos israelitas. Respondendo ao seu repto, manifesto que tenho muitas dúvidas.
A minha primeira dúvida aponta à questão territorial. A criação do Estado de Israel, em 1947, pressupunha uma determinada área de ocupação que, ao longo de décadas foi aumentando e isolando, cada vez mais, o povo palestiniano. As “razões de segurança” sempre foram uma excelente justificação para o controlo e diminuição da liberdade das pessoas, mas a arbitrariedade da decisão sobre a circulação num território que funciona, para os palestinianos, como ilhas, é um processo de eficácia duvidosa e retira dignidade ao quotidiano da população.
Indigno é, também, o muro, ou os muros que, para além do valor simbólico que devia fazer corar qualquer judeu com memória, é uma forma mais uma vez ineficaz de “garantir a segurança” e apenas fazem lembrar ambas as partes que há algo de muito errado a passar-se naquele território.
É verdade que tanto a Fatah como o Hamas parecem ter uma enorme dificuldade em pensar fora de um modelo de confrontação armada, o que não ajuda nada para se encontrar um ponto mais equilibrado na relação entre os oponentes, mas como classificar a resposta armada de Israel, perante o lançamento de foguetes de eficácia reduzida? Casas, prédios, mesquitas, escolas completamente arrasadas por bombardeamentos “inteligentes”. Invasão do território – o pouco que resta – com o declarado objectivo de eliminar o Hamas, os seus túneis e os seus lança-foguetes. Uma batalha desigual, cujo resultado é a quase aniquilação da esperança num qualquer processo tendente à coabitação.
E refiro coabitação porque creio que a única hipótese de paz para aquela região nunca poderá passar pelo esmagamento dos palestinianos pelos israelitas, como tem vindo a acontecer. Não posso estar do lado de Israel, quando a sua ambição e prática é a da ocupação de cada vez mais território e a aniquilação de pessoas e bens, de forma indiscriminada. O resultado tem sido e será o aumento da tensão e, consequentemente, o aumento da “insegurança no território israelita”.
O conflito deverá passar urgentemente para as instâncias políticas possíveis, com mediação credível. Que não é um processo fácil, já se sabe. Recentemente, o Papa Francisco, em Jerusalém, fez um apelo ao diálogo entre cristãos, judeus e muçulmanos. Simbolicamente, tocou num dos muros que separam os territórios e rezou tendo visitado o monumento de homenagem aos israelitas mortos em atentados. Passados uns meses, a resposta, no terreno, é decepcionante. Talvez porque este é, cada vez menos, um conflito religioso, mas muito mais uma questão de pessoas, o seu território e a falta de liberdade e de dignidade nas suas vidas.