COSTA ALVES ALERTA PARA OS PERIGOS E FALA NAS MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Quando o calor é um inimigo
Lá fora, na rua, o Sol torna o ar quase irrespirável. Com as temperaturas altas, as sombras e os locais mais frescos transformam-se em verdadeiros oásis, onde só a água ou outras bebidas frescas ajudam a enfrentar o calor tórrido e a repor os níveis de líquidos no organismo.
Este é o retrato do verão nesta região do Interior, onde a fuga, para muitas pessoas são as piscinas ou as praias fluviais, mas, neste último caso, muitas delas também já estão inoperacionais. Tudo, porque devido à seca, umas pura e simplesmente ficaram sem água, enquanto outras apresentam níveis tão reduzidos, que não garantem o mínimo de condições, quer de segurança, quer no que respeita à saúde pública.
O ano de 2015, e mais concretamente o verão que estamos a atravessar, tudo indica que será o mais quente desde há muitos, mas mesmo muitos anos, como confirma à Gazeta o meteorologista Costa Alves.
A ainda alguma distância do final do verão, Costa Alves começa por afirmar que “o ano passado foi o mais quente desde que há registos instrumentais, ou seja, desde 1880”, para avançar que “este ano, em previsão, isso será passado”, uma vez que “existem dados muito fortes nesse sentido a nível global”, embora explique que “sendo a nível global, não quer dizer que seja em todos os países”.
Costa Alves explica que tal se deve ao facto de “El Niño estar instalado no Oceano Pacífico Central Oriental, próximo da América do Sul, o que provoca um aquecimento muito grande da água do mar, o que interfere com a atmosfera, aquecendo-a”.
Acrescenta que “este ano, mesmo sem El Niño, seria um ano muito quente”, pelo que, “com ele, 2015 será o ano mais quente desde que há registos instrumentais, ou seja, de 1880”.
Calor vem
desde maio
Falando no caso concreto de Portugal, Costa Alves salienta que “maio voltou a ter uma prolongada e forte onda de calor. Uma onda de calor precoce, que não tem a intensidade de uma em junho, julho ou agosto, mas que não deixa de ser uma onda de calor”.
Situação que foi agravada por “junho também ter tido situações de onda de calor, apesar de nada comparáveis às que foram referenciadas em 2003, mas, mesmo assim, com implicações ao nível da saúde”.
Tudo isto é ainda agravado pelo facto de existir “um velho problema. É que não fizemos aquilo que devíamos fazer para reduzir o impacto”, apontando desde logo o dedo ao afirmar que “apenas há a rotina de comunicados, que não criam uma verdadeira prevenção”.
Como resultado disso, denuncia que “os mais velhos morrem antes do tempo, se não se ambientam ao excesso de calor”.
Ainda a critíca realça que “esta divisão de que fogos são com a Proteção Civil e as ondas de calor são com a Direção-Geral de Saúde, é um erro crasso, de estratégia da forma de ver as ondas de calor”, para avançar que “aquilo que se verifica, é que a nossa primeira opção ainda é para as florestas, o que é contrário à proteção civil, que coloca em primeiro lugar as vidas”.
Costa Alves volta a centrar a atenção “nas ondas de calor tão fortes no nosso país” e denuncia que “morrem duas mil pessoas devido a isso, o que é um risco insuportável, que temos a obrigação de diminuir”.
Para alcançar esse objetivo, a título de exemplo recorda que “há uns anos tínhamos duas ou três mil mortes por ano nas estradas. Fizeram-se campanhas e investiu-se nas estradas, o que fez com que o número de mortes tenha diminuído e é precisamente isso que tem que ser feito em relação ao calor”.
Medidas para combater
o problema
Entre as medidas a implementar aponta para “um investimento na construção das casas, ou na sua requalificação térmica, sobretudo nas casas de construção mais antiga, que não têm uma construção adequada para extremos de calor e de frio”.
Nesta área aborda também a questão “dos hospitais, dos centros de saúde, dos lares e das escolas que, em muitos casos, têm uma construção inadequada”, dando o exemplo de “hospitais em que nos garantem estar climatizados e não estão”.
Por outro lado, sublinha que “não se pode construir em Castelo Branco, no Interior, como no Litoral, mas é isso que se faz”.
Sobre a cidade capital de Distrito, caracteriza-a como “uma cidade com clima extremo no verão e muito exigente no inverno”, o que, na sua opinião, exige, como medidas de atenuação destas características, “a multiplicação de espelhos de água e zonas verdes, o que ajudaria a criar diferenças térmicas”.
Isso, continua, “ajudaria a criar diferenças de temperatura na cidade e a definir brisas, que contribuiriam para aquecer no inverno e arrefecer no verão”.
Mas, garante, “a nossa conceção tem sido espalhar grandes extensões de materiais que não são termicamente adequados na zona central da cidade”.
Claro está que o ideal seria Castelo Branco ter um rio, o que “ajudava muito”, mas, como tal não se verifica “há que polvilhar a cidade com espelhos de água” e acrescenta que “uma cidade com este clima precisa de ser mais arborizada e dotada de espelhos de água no centro, porque é aí que é preciso agir. Porque é aí que está a grande concentração de volumes que absorvem o calor e o irradiam, não só para as casas, como para o ambiente à sua volta”.
Atenção à saúde
dos grupos de risco
Costa Alves, noutra vertente, argumenta que “é necessário recensear os grupos de risco e as suas condições de vida, o que já foi feito noutros países, mas em Portugal ainda não”.
Uma matéria em que acrescenta que “a Guarda Nacional Republicana (GNR) fez o recenseamento dos idosos que vivem isolados, mas nesse trabalho não incluiu o calor, o que deveria ter sido feito”.
Costa Alves afirma que “nas ondas de calor e nas vagas de frio a Direção-Geral de Saúde é decisiva, mas deverá englobar os diferentes agentes da proteção civil, porque esse é um trabalho que terá dificuldade em fazer se não se associar, por exemplo, à Proteção Civil e às juntas de freguesia”.
Tudo para proteger os grupos de risco, que “incluem os idosos, os bebés e os doentes crónicos, de qualquer idade, que sofram de doenças cardiológicas ou pulmonares, bem como os diabéticos e doentes hepáticos”, porque “o metabolismo do organismo, em resposta às trocas de calor, entra em disfunções”.
Uma área em que acrescenta ainda que tanto os grupos de risco, como qualquer pessoa “deve aumentar o consumo de água e de sais minerais, porque com a transpiração perdemos água e sais minerais essenciais”.
Seca já vem
do inverno
A par do calor existe também o problema da seca, que “já vem desde o inverno, porque tivemos um inverno de seca que está a ser agravado pelo verão”.
Costa Alves, neste particular, recorda que num clima mediterrânico, como o nosso, o grande fornecedor de água é o inverno e afirma que “janeiro falhou com a chuva, que também falhou muitas vezes em março”, sendo que, além disso, “tivemos todos os meses com precipitações mais baixas que o normal”, recordando que “novembro foi o último mês muito chuvoso” e concluir que, “a partir daí, alguns meses foram bastante abaixo do normal”.
Daí o reflexo que está a ser sentido nos recursos hídricos e nos espaços de fuga ao calor, como são as praias fluviais, que “estão sem água, ou, se a têm, é pouca e, por isso, estão sujas, porque a corrente existente não é suficiente para a circulação de água”.
António Tavares