Maria de Lurdes Gouveia Barata
ENTROU O ANO NOVO... SERÁ NOVO O ANO?
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
A que se deu o nome de ano,
Foi um indivíduo genial.
(…)
Doze meses dão para qualquer ser humano
Se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
Com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente…
(…)
Desejos de Ano Novo, Carlos Drummond de Andrade
O Novo Ano entrou com um céu limpo onde se desenharam rosáceas brancas e vermelhas e lágrimas que estrugiram no fogo de artifício e no champanhe com olhares de esperança nas gargalhadas de um recomeço a chamar a alegria e um melhor tempo de viver. Passou, entretanto, aquele stress de festa, bom pelo regozijo, mau pela corrida dos preparativos. Cometeram-se os disparates dos fritos e dos chocolates, que se instalaram no peso a lembrar o pecado.
Chegou o tempo das rotinas quebradas pela campanha eleitoral de eleição do Presidente da República, um pouco frouxa, dispersa, cansativa para quem está no palco e para quem é espectador. Vieram boas e más notícias. Em Portugal, as boas anunciaram reposição de salários de funcionários públicos, aumento de salário mínimo, retoma dos feriados roubados em nome de um nada de efeito, a anulação da tal estúpida prova de avaliação de professores, cujo objectivo era pô-los na rua. A reposição das 35 horas de trabalho semanal, um direito usurpado, é prometida a partir de 1 de Julho. O novo governo é, porém, acusado de estar a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Por outro lado, ouvem-se já pré-avisos de greve geral dos funcionários públicos, espanto dos espantos (para mim!), porque repor as 35 horas é para já, não se permitindo um mínimo de organização num espaço de tempo de seis meses, numa impaciência com ameaça da mais forte expressão de luta – a greve.
Todavia, o Ano Novo trouxe a continuação do capítulo anterior em notícias más como os actos terroristas que afligem o mundo. O mais grave é que os terroristas atingiram um dos seus grandes objectivos, o que instala o medo e nos tira a liberdade, condicionando deslocações e visitas turísticas, sendo o turismo um factor ligado à economia de muitos países. O terrorismo instalou-se como uma terceira guerra mundial.
Como foi possível a humanidade chegar a ódios e rancores através sobretudo de fundamentalismos religiosos, tomando à força a cumplicidade de deuses, alguns tornados bem maléficos, neste planeta pequenino, um ponto quase invisível na imensidão do universo? Quando observamos as fotos espantosas do Hubble, damos conta da insignificância desta nossa Terra. Carl Sagan chamou-lhe thepalebluedot(o pálido ponto azul) e quando Neil Armstrong desceu na Lua e olhou a Terra, no dia 20 de Julho de 1969, exclamou: «De repente eu notei que aquela pequena e bela ervilha azul era a Terra. (…) Senti-me muito, muito pequeno.» O homem é ínfima criatura perante a magnitude do universo. O infinito é comparável à ignorância. Retenho ainda de Sagan: «Nós somos feitos de poeira de estrelas». E na perspectiva dum contexto limitado do planeta é que nos tornamos grandes em lutas inúteis. E na perspectiva do contexto imensurável do universo tornam-se ridículas essas lutas. E ao tentar imaginar essa grandeza começamos, no mal estar que nos invade, a sentir-nos a poeira que se levanta e logo desce para repousar no silêncio-para-sempre duma queda de que nem se dá conta.
Foi no pontinho azul, quase invisível, do universo que o fogo de artifício se ergueu como poeira e se desfez a assinalar o tempo dum presente que logo se tornou passado. Mas na fugaz luz da celebração ficam agarrados os sonhos dos homens da Terra. Os sonhos do Ano Novo na teimosia de viver…