Luís Costa
Os nomes dos nossos bebés
A minha rua mora(va) numa cidade inventada por dentro do meu país
(Silva Amaro, Poemas da Minha Rua, 1980)
É já um clássico. Todos os inícios de ano, logo ao romper d’alva, os meios de comunicação social divulgam a lista dos nomes dos meninos e das meninas nascidos(as) no ano anterior, estabelecendo um top de preferências para cada género.
A criatividade luso-registante permitiu chegar a um total de 5.000 nomes, de acordo com os dados do Instituto dos Registos e Notariados. A boa notícia, para lá da enorme criatividade, é que 2015 parece inverter o ciclo de quebra da natalidade, tendência que se poderá manter em 2016, apesar de uma grande parte dos(as) que vão nascer ainda não terem sequer entrado em processo de produção.
Em relação a 2014, o top das meninas nascidas em 2015 continua largamente dominado pelas Maria, tendo as Leonor (2º) e as Matilde (3º) trocado de lugar no pódio. No que respeita aos meninos, embora João continue a ser dominante, com pouca margem de diferença, também houve mudança nos segundo e terceiro lugares com a ascensão de Mar- tim em detrimento de Rodrigo, como se pode ver no top 10 em baixo, no final do texto.
As paróquias, antes
dos registos e notariados
Houve um tempo em que os registos de nascimento se confundiam com os registos de baptismo, sendo realizados nas paróquias. O registo de nascimentos passou das igrejas para os conservatórios de registo civil, na sequência da publicação da Lei da Separação da Igreja e do Estado, nos alvores da Primeira República, logo no primeiro trimestre de 1911.
O meu conterrâneo e amigo, Francisco da Silva Amaro, que vive uma aposentação ativa (pinta, lavra, escreve, faz licores, verseja) fez uma incursão pela genealogia, em busca dos nossos avós que nasceram na nossa aldeia, Juncal do Campo, em tempos em que ainda não era freguesia, dando o trabalho à estampa no tempo em que deixou de o ser, em 2013, oitenta anos depois da sua criação (1933).
Juncal do Campo – Registos de Baptismo 1875 a 1911, edição do autor com apoio da defunta, agora integrada na União das Freguesias Freixial do Campo e Juncal do Campo, é o fruto de uma pesquisa que Silva Amaro fez no Arquivo Distrital de Castelo Branco, tendo como balizas o período de 1875 a 1911. No primeiro caso, 1875, foi uma decisão aleatória, tendo em conta que cobria os anos de nascimento dos seus avós e familiares mais próximos. O Francisco é rapaz mais ou menos da minha idade, ambos nos sessenta, mas eu ainda no primeiro quartil e ele já no último, pelo que os meus ascendentes também estão lá.
Neste levantamento exaustivo de 37 anos de registos paroquiais, em Juncal do Campo foram registadas/baptizadas 700 crianças, o que corres-ponde a uma média de 19 por ano.
Das 700 crianças registadas, sobressai já então o nome de Maria, com mais de 140 referências. Os nomes femininos que se seguem são Leonor e Clara, 25 cada, a que segue Augusta, Francisca, Isabel e Ana com menos incidência, na ordem da dezena cada.
A nível masculino a dispersão é maior, mas sem deixar de ter à cabeça o nome de José, com pouco mais de metade (75) das preferências de Maria, seguido de perto de António (57), destacando-se ainda Joaquim (31), Francisco (29), Manuel (24) e João (22).
Com menos de uma dezena de referências, em muitos casos apenas com uma ou duas, surgem outros nomes femininos: Adelaide, Amélia, Antónia, Bárbara, Brígida, Carolina, Elisa, Emília, Engrácia, Guilhermina, Hermínia, Irene, Joana, Joaquina, Josefa, Júlia, Leopoldina, Lúcia, Ludovina, Luísa, Martinha, Matilde, Mónica, Olívia, Nazaré, Piedade, Quitéria, Rosalina.
Nas mesmas circunstâncias, outros nomes masculinos, mas com menor diversidade: Adelino, Afonso, Alberto, Barnabé, Daniel, Domingos, Duarte, Eduardo, Fernando, Filipe, Florindo, Gregório, Guilhermino, Isidoro, Lourenço, Raul, Rui, Silvestre, Simão, Simeão.
Embora não estejamos na presença de universos liminarmente comparáveis, uma vez que este trabalho incide sobre um contexto concreto, rural, num ciclo longo de 37 anos, a lista dos nomes mais escolhidos em Portugal em 2015 confirma, como um continuum, o predomínio de Maria nas meninas, seguido a larga distância de Matilde e Leonor, neste caso também presença cimeira no universo juncalense de referência.
Mas a principal revolução está ao nível dos meninos. O José, o António e o Joaquim, no topo da lista dos nascidos naquele tempo e lugar, não entram no top 10 dos nomes de 2015, tendo à cabeça João, presença relevante nos baptismos de então, mas num modesto sexto lugar.
Os registos para lá
dos registos de baptismo
Para lá do território afetivo proporcionado a todos os juncalenses, nascidos ou adotados, o trabalho de pesquisa do Francisco permite um conjunto de reflexões e pistas de trabalho sobre aqueles tempos e lugares.
Para além dos nomes, de todos os nomes, os registos paroquiais dão-nos pistas preciosas sobre o quotidiano, as actividades, as hierarquias, (pre)conceitos e valores do mundo rural na periferia da cidade de Castelo Branco, a menos de quinze quilómetros mas, para o tempo, a uma distância de mais de uma hora de viagem.
No que respeita às atividades económicas, são raras as referências às profissões dos pais e quando acontece é sempre no masculino, com duas ou três honrosas exceções: proprietário, ferrador, lavrador, alfaiate, ferreiro, sapateiro, ganhão, pastor, cultivador, negociante, pastor e moleiro. No feminino apenas doméstica, tecedeira e moleira.
Em 1878 há registo de dois nascimentos em que a mãe “se ocupa do governo da sua (dele, do pai) casa”. Em conformidade, o vigário João Sebastião Bispo declara que lavrou “em duplicado este assento que depois de lido e conferido perante os padrinhos o assinei só por declararem os mesmos que não sabiam escrever. Era est supra”.
No mesmo ano também foi registada uma menina “exposta, em adiantada hora da noite, à porta da casa de…”
Há uma mão cheia de registos de filhos naturais de “pai incógnito”. Em 1896 há um registo “gratuito e sem selo por extrema pobreza”.
Especial registo merecem, em 1903, o filho e a filha do “Exmº Dr. Joaquim Afonso dos Santos, engenheiro naval”.
No conjunto dos 700 nascimentos, apenas em 1909 surge um casal de gémeos.
Este trabalho de formiguinha do Francisco deveria ocupar lugar de destaque nas bibliotecas escolares de todos os níveis de ensino pelas múltiplas referências que pode proporcionar sobre a vida e o quotidiano na Beira Baixa na transição do Século XIX para o XX.
Como é vox populi e o Francisco recupera para epígrafe dos Registos de Baptismo, só se ama aquilo que se conhece.
Top 10 meninas (2015): Maria (5.324), Leonor (1.999), Matilde (1.889), Beatriz (1.268), Carolina (1.228), Mariana (1.205), Ana (1.060), Inês (1.001), Margarida (989) e Sofia (950).
Top 10 meninos (2015): João (1.932), Martim (1.778), Rodrigo (1.666), Santiago (1.632), Francisco (1.593), Afonso (1.439), Tomás (1.409), Miguel (1.271), Guilherme (1.187) e Gabriel (1.143).