Fernando Raposo
FOGO MALDITO!
O país ainda não se recompusera da tragédia de Pedrógão Grande. As vítimas tardavam em ser ressarcidas. O Outono estava aí à porta e as primeiras chuvas não tardariam a chegar para desanuviar o ar quente que ainda brotava da terra queimada. Os meios começavam a ser desmobilizados, tal como os responsáveis por esta coisa dos fogos o tinham previsto. Caísse chuva, fizesse sol de “abrasar” ou os ventos fossem de nortada, era assim que estava determinado, conforme o tinham decido os burocratas do regime.
Mas eis que o ciclo das estações já não é o que era. O tempo, como dizem as gentes simples da minha aldeia, anda descontrolado por incúria dos homens e Deus, que é quem ainda poderia dar uma “mãozinha”, tem-se esquecido daqueles que ainda “teimam em resistir e em dar ainda alguma vida a muitos dos lugares e aldeias que se escondem por entre as matas densas de eucaliptos”. Os que ainda ficam são os mais velhos (por amor às suas terras) ou aqueles que já nem têm esperança de encontrar futuro noutros lados.
Os homens que sabem destas coisas do tempo bem alertaram que o mês de Outubro seria de calor intenso e a tragédia que novamente se abateu, agora no interior centro, era previsível: calor intenso, ar muito seco e ventos de rajada. O tempo estava assim de feição, não chovia há muito e o sol não dava sinais de acalmar. Cobertos por um manto de pasto seco, os campos e as matas de eucaliptos e pinheiros bravos tornaram-se “presa” fácil e apetecível da ânsia incontida e insaciável das labaredas.
Como em Pedrógão, para trás ficou um rasto de destruição. O cenário é, uma vez mais, desolador.
Os meios de socorro escassearam em todos os lados e as populações ficaram abandonadas à sua sorte, órfãs de um Estado ausente. Uma vez mais, como em Pedrógão, perderam-se vidas, muitas vidas, e tudo quanto foi o esforço de muitas vidas de trabalho.
Aqueles que deveriam ser os primeiros a estar presentes não estiveram à altura das suas responsabilidades, embrenhando-se antes em incompreensíveis justificações públicas.
António Costa, primeiro-ministro, perdeu o controlo da situação e na comunicação que fez ao país, manifestou-se insensível e distante, acentuando ainda mais o sentimento de insegurança que já se vinha instalando desde Pedrógão.
Ultrapassado pela comunicação que o Presidente da República fizera ao país, e que levou, na manhã do dia seguinte, à demissão da ministra da Administração Interna, e a que sempre se opusera, ficará sempre a dúvida se as medidas tomadas por António Costa e pelo Conselho de Ministros do último sábado (e que constam do relatório da comissão Independente sobre a tragédia de Pedrógão Grande e agora conhecidas) já estariam previstas e assumidas, à partida, ou se, pelo contrário, foram precipitadas pelo discurso de Marcelo Rebelo de Sousa.
Sendo certo que os grandes Estadistas se revelam nos momentos mais difíceis, António Costa, que saiu das últimas eleições autárquicas como o grande vencedor, surge agora aos olhos dos portugueses como um primeiro-ministro fragilizado:
- Fogo maldito!