6 de junho de 2018

Valter Lemos
O FUTEBOL…

Os historiadores e analistas referem-se frequentemente ao período salazarista português como um tempo de Fado, Fátima e Futebol. Com isto querem reforçar a ideia de que os portugueses eram “politicamente anestesiados” através destas três manifestações sociais.
Curiosamente nos últimos tempos estas mesmas manifestações parecem ter atingido níveis ainda muito mais intensos do que durante o século passado.
O Fado atingiu o estatuto de património da humanidade, alargou significativamente o leque de criadores e intérpretes e ainda mais o respetivo público. Nunca se ouviu tanto fado como no século XXI e o estilo passou de “velho” a moderno e “cool” e os que durante alguns tempos torciam o nariz associando a música aos tempos da ditadura, hoje tornaram-se grandes apreciadores e divulgadores de fado.
Fátima é como se vê. Os peregrinos enchem cada vez mais (e mais perigosamente) as estradas duas vezes por ano. Todos os anos as multidões enchem o recinto das celebrações, o qual também evoluiu com novos espaços e construções. Também o negócio vai de vento em popa como mostra o crescimento exponencial de hotéis, residenciais e restaurantes na região.
E o futebol… nem se acredita!
A dimensão atingida pelo futebol na sociedade portuguesa é inacreditável. Criaram-se vários canais televisivos exclusivamente dedicados “à bola”. Todos os canais de informação têm programas de “comentário” futebolístico em horário nobre e mais do que uma vez por semana. E todos os blocos informativos dos canais generalistas dedicam diariamente longos períodos às notícias do futebol. Há vários jornais diários dedicados ao futebol e as redes sociais estão repletas de informação e discussão futebolística.
Os clubes profissionais tornaram-se grandes empresas com dirigentes a ganhar salários de dezenas de milhares de euros mensais. Os custos de jogadores, treinadores, etc., atingiram números estratosféricos e verdadeiramente pornográficos para o comum dos cidadãos que, mesmo em bons empregos, não ganham numa vida o que alguns desses atores futebolísticos ganham num ano.
Ainda que chocante, nada disso seria verdadeiramente preocupante se ao desenvolvimento do fenómeno não estivessem associados sinais de grave e profunda degradação social.
O futebol apresenta-se hoje como um espaço social degradante. Os programas de comentário televisivo são inqualificáveis. Linguagem desordeira e ordinária, ofensas pessoais, atitudes de má índole, má educação, etc. Em suma, tudo o que de pior pode haver na comunicação social. Pai que se preze não pode deixar que um filho veja e ouça tanta asneira, brutalidade e estupidez. É simplesmente inacreditável que um diretor de informação deixe aquilo continuar e, muitas vezes, até promova tais programas. Mas, infelizmente, já sabemos que tal significa que tais programas têm audiência…
As notícias e reportagens sobre os jogos de futebol, nomeadamente dos clubes maiores, mostram outros níveis incríveis de degradação. Os adeptos são conduzidos para os estádios enquadrados numa muralha de polícias, armados até aos dentes, e vão gritando e urrando como os verdadeiros animais que parecem. Há sempre alguns que escapam e abrem cenas de pancadaria com os adeptos dos outros clubes. Durante os jogos atiram com tudo o que têm à mão contra os outros adeptos, os jogadores e os árbitros e no final arrancam as cadeiras e deitam fogo ao que encontram.
E depois dos jogos, por vezes, ainda vão agredir jogadores do próprio clube…
Como é possível que políticos, dirigentes, comentadores, jornalistas achem isto “normal” e convivam todas as semanas com esta “normalidade”?
Sabe-se que as chamadas “claques” são grupos de marginalidade, com muitos elementos associados a atividades suspeitas, obscuras e eventualmente criminosas e acham “normal” o que se passa?
Com o caso do presidente do Sporting os portugueses passaram a saber que já há dirigentes que fizeram a sua formação nessas claques e ninguém acha isso preocupante?
Como em todas as atividades onde o dinheiro parece ser demasiado fácil, também no futebol os problemas de ilegalidade, nepotismo e corrupção parecem crescer a olhos vistos.
Sempre gostei de futebol. Jogava bastante na minha juventude. Sou adepto, mas não compreendo o fundamentalismo clubístico que é tão estúpido como outro fundamentalismo qualquer. Gosto de ver os jogos na televisão e ao vivo, mas, creio que o futebol enquanto desporto e espetáculo está a atingir níveis de degradação política e socialmente inaceitáveis.
Isto está claramente a correr mal e parece que, na ausência de medidas e intervenções adequadas, só poderá vir a correr ainda pior.

06/06/2018
 

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