13 de março de 2019

Carlos Semedo
CONAN OSIRIS

Ter opinião sobre tudo e mais alguma coisa parece ser uma das obrigações dos tempos contemporâneos. É vê-las nas redes sociais, ouvi-las nos cafés e bares, num banco de jardim, no Metro, num autocarro e na esplanada. Na televisão, há especialistas em ter opinião sobre quase tudo o que aparece à frente. Já inventaram um termo a partir deste fenómeno, qualificando as pessoas que laboram nestes territórios de tudólogos e há quem diga que não tem (o termo) grande viabilidade ou futuro.
Por vezes, assistimos a acontecimentos que fazem extravasar este frenesim para a sociedade, de uma forma transversal, transportando para discussão um tema que só parece ombrear, em analogia, com um tsunami. É um pouco o caso de Conan Osiris e da sua canção Telemóveis. Há duas barricadas e algum campo neutro. Há neste assunto questões claramente subjectivas, que são apreciadas segundo o gosto, a cultura, a atitude perante o valor e poder da música como arte transformadora ou simplesmente para entreter ou passar um bom pedaço do seu tempo. Não é possível contrariar de forma definitiva uma opinião como “gosto disto”, “a letra diz-me muito”, “é horrível” ou “a letra envergonha a língua portuguesa”. São opiniões, discutíveis, mas carregadas da força e energia da alteridade. Podem é ser úteis para estabelecer um padrão, uma leitura da sociedade a partir da aceitação ou não de um determinado objecto.
Já ouvi comparações com António Variações, muitos referem elementos melódicos e rítmicos genuinamente portugueses, há quem fale de um sincretismo relativamente a uma suposta alma lusa, uma fusão milagrosa da portugalidade. Também já li comentários sobre elementos rítmicos dos Balcãs e uma certa paixão Israelita (a final da Eurovisão será em Telaviv) por esta zona da Europa.
Ouvi Telemóveis umas quatro ou cinco vezes. Creio que não é possível fazê-lo, dissociando a audição da parte performativa, as roupas, os movimentos. Elas estão interligadas e ouvir no rádio é, neste caso, uma experiência manifestamente incompleta. Também neste ponto, as opiniões se dividem. As roupas não são consensuais, as danças também não e os acessórios e adornos causam perplexidade. Tudo isto leva a uma discussão, que eu acho um pouco estéril, entre os partidários da enorme originalidade do autor e, do outro lado, os que só vêem uma procura da novidade a todo o custo.
Conan Osiris venceu o Festival da Canção e vai representar Portugal. Teve nota máxima por parte do júri residente e do público e no júri regional só o Algarve não lhe deu 12, o número mágico do topo. Dos júris fizeram parte artistas que admiro como o guitarrista André Santos, Samuel Úria, Maria João e Selma Uamusse.
Este consenso é assustador. Creio que nem Salvador Sobral, com o Amar Pelos Dois, conseguiu tamanha unanimidade. Não sei que argumentos podem sustentar uma avaliação tão potente perante a fragilidade gritante do texto, sentido confirmado pelas declarações igualmente frágeis do autor, quando é convocado para comentar seja o que for. É verdade que gostar da letra de uma canção é um exercício também ele discutível e subjectivo e há muitas canções famosas que têm letras fracas, contudo após ler o texto que sustenta Telemóveis fica-me a ideia de que o autor repescou algo que escreveu com dez anos de idade. Renovo a minha perplexidade: como é que uma letra destas pode motivar a nota máxima por parte de artistas tão brilhantes como os que referi há pouco?
Ao ouvir a canção, tenho a sensação de estar perante uma salada de frutas musical que até pode ser intuitiva, por parte do autor e que terá o seu valor no género, mas daí até chamar-lhe arauto de uma originalidade quase genial, só revela a confusão e a superficialidade da discussão em volta de Telemóveis. A medida da genialidade de qualquer artista e até a própria condição de ser artista é tributária do tempo. Por mais que alguém se chame artista, nunca será suficiente para o ser. Algures nesta deriva opinativa sente-se a velha discussão da Alta Cultura versus Baixa Cultura. Os que estudaram muita música para serem o que são e os que a fazem com ferramentas e técnicas mais básicas. Creio que o que está em causa não precisa que se acordem estes esqueletos. Esta Telemóveis posiciona-se claramente na tentativa de acompanhar a espuma dos dias, colocando-se no plano do entretenimento, nesta espécie de parque de diversões em que se transformou uma parte maioritária da sociedade contemporânea. Para tal, Conan Osiris usa tudo o que pode e consegue imaginar, para emergir no meio do caos comunicacional que vivemos. Teve sucesso e, por isso, é sinal, para muitos, de mérito. Podia era cantar afinado, digo eu, e pergunto uma vez mais: o que se passou para que um júri constituído por alguma gente tão boa, deixasse passar incólume, uma interpretação tão sofrível?

13/03/2019
 

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