10 de julho de 2019

Antonieta Garcia
É PRECISO PENSÁ-LAS TODAS…

Era uma alma lavada. Desenxovalhada de pensamento e ação, quando surgiam problemas, Ana agarrava-os a mãos ambas e vá de resolvê-los antes que o marido, dado a tristezas e melancolias, começasse a beber ainda mais para afogar, vá lá adivinhar-se que mágoas!
- Deixemo-nos de lamúrias! – clamava ela -. Vamos à vida!
Era conhecida na aldeia e arredores; saberes e fazeres enovelados parecia que tinham nascido com ela. Comentava-se que chorara ainda no ventre da mãe, um indício claro de pessoa com poderes superiores. Certo é que, se alguém adoecia, primeiro experimentava as ervas, os chás, xaropes e unguentos prescritos pela Ana. Estas terapias, acompanhadas com muitas orações, curavam assombrosamente a maioria dos males. Se a enfermidade não cedia e a consulta do médico se tornava inevitável, lá estava Ana para ensinar a família a dizer de sua justiça, aos senhores doutores, os sintomas e o mais que fosse essencial …
Às vezes, acontecia ao contrário: os despedidos dos clínicos, ou seja, os que tinham a vida em risco e só um milagre salvava, também recorriam à entendida. Muitas noites passava à cabeceira dos pacientes com outras mulheres, as contas nas mãos, a rezar, a rezar, a rezar…
Agradeciam-lhe; afinal Ana era um coração aberto…. Bastavam as mãos, que colocava nas zonas de maior sofrimento, para a dor acalmar…
Ora um dia, sem que houvesse motivo notório para a deslocação à cidade, viram-na a caminho da casa do médico…. Surgiram as interrogações:
- Quem está doente, Ana?
- Ninguém, graças a Deus!
- Ah! Como te viram entrar em casa do médico…
Se a curiosidade matasse, a mortalidade cresceria a olhos vistos! Digo-não-digo? A quem tudo quer saber, nada se lhe diz…
- Olha, fui à cidade comprar umas coisas e aproveitei para entrar em casa da Senhora do Sr. Doutor, para ver se precisava de alguma coisa….
Acreditou quem quis. Calou suposições de alguns, mereceu o descrédito de muitos, ganhou a fé dos mais serenos…
O que acontecera? Estávamos nos anos 30/40 do século XX. Ana era fina como um pardal. Até se arrepiava, quando recordava a cena: deitando abaixo uma parede no interior da casa, apareceu entalada, a meio do trabalho, uma bolsa de pano, cheiinha de moedas. E agora? Que hei de fazer? Aconselho-me com quem? Com o marido não valia a pena contar. As mulheres são faladoras, mas há homens, valha-nos Deus; segredo para eles é manteiga em focinho de cão… Derrete!...
Durante muitas noites, não pregou olho. Um dia, ao alvorecer, fez-se luz! O médico, o senhor Doutor, amigo dos pobres, com boas falas para toda a gente… havia de saber o que devia fazer. Pois; mas sentia vergonha, adiava a ida…
- Nem és mulher, nem és nada, se não te desenvencilhares desta empreitada…
Naquele dia, vestiu a roupita de ver a Deus. Tremia como varas verdes, quando entrou no consultório. A bolsa dançava agarrada ao coração, a fala entaramelada…
- Ó Senhor Doutor eu não estou doente! Sabe lá o que me aconteceu. Andava com umas obritas lá em casa, quando numa parede vi esta bolsa entalada…
Abriu-a… Em cima da mesa espalharam-se moedas… O coração batia como um cavalo…
- São muitas moedas, antigas! D. João V! – exclamou o médico!
- Valem alguma coisa, Senhor Doutor? Ajude-me.
- Disto não sei…
- Se o Senhor Doutor não sabe, que hei de dizer eu?!
Explicou: - Ó Senhor Doutor, se eu levo estas moedas a algum lado hão de acusar-me de as ter roubado… Se for o Senhor a perguntar… informam-no melhor, ninguém desconfiará, ninguém pensará, ou falará em roubo. Conhece-me há muitos anos. Eu era lá capaz de me apropriar de dinheiro que não fosse meu! Estas moedas, foi Deus que as pôs no meu caminho… Encontrei-as na parede da casita que já era de meus pais. Sempre vivi honradamente, mas se eu aparecer na frente de alguém com esta bolsa, assim como sou… Ainda vou parar à cadeia…
O médico entendeu. Eram palavras clarinhas como a água. Ana era mulher inteligente, sagaz. Conhecia o mundo, o valor da aparência…
Na terra ainda não havia Bancos. Mas o médico, dos que tratam o corpo e a alma, conversa com este e com aquele, cumpriu. Estava feliz, quando deu uma boa notícia a Ana…
(Questões de imagem, não é António Aleixo? - “Sei que pareço um ladrão / Mas há muitos que eu conheço / que, sem parecer que o são, / são aquilo que eu pareço” -. E multiplicaram-se de um jeito!!!).

10/07/2019
 

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