Edição nº 1620 - 8 de janeiro de 2020

José Dias Pires
A PENSAR EM 2020

Longe, num lugar que ninguém sabia, acalentada pela incipiente neblina, uma gota de água salgada poisou, como uma pétala, na face da rocha.
Depois, rolou pela falésia e entrou no mar. Deixou-se beber pelos peixes que sobraram, para subir à luz transformada numa nuvem.
Esperou até ficar capaz de chover palavras sobre todos os homens.
Assim que pôde, choveu:
«Digo-vos, hoje, que apesar de todas as dificuldades e frustrações do mar e da terra ainda tenho um sonho.
Sonho que algum dia, dos dois lados do horizonte, os instantes transformar-se-ão em eternidade e viverão o verdadeiro significado de esperar e crer. Nesse dia, todas as verdades serão evidentes; nesse dia, todos os homens e os peixes serão iguais.
Sonho que os filhos de uns e outros viverão nos lugares onde não serão julgados pela sua cor, pelos contornos do corpo ou pelo brilho dos olhos. Todos hão de encontrar-se nos intervalos dos rios e no descanso das montanhas.
Chegado o tempo que há de seguir-se ao tempo que se segue ao tempo que vivemos, todos abrirão os olhos quando lhes apetecer dormir e hão de fechá-los para ficar acordados.
Nenhum ficará preso dentro de si, nem das suas dúvidas, porque o pensamento será capaz de tudo ver em todos os lugares, pois o prazer e o sofrimento dos outros será o sofrimento e o prazer de cada um.
Todos falarão as mesmas palavras porque os peixes poderão falar o que os homens pensam; e os homens perceberão o que os peixes pensam.
O tempo de que vos falo, e se segue a todos os outros de que vos falei, há de transformar-se na idade da luz como as crisálidas se transformam em borboletas.
A todos será dada a oportunidade do segundo nascimento, para juntar a última tristeza à primeira alegria.
Haverá estradas de água e de barro que ligarão todas as pontas da terra e todas as esquinas do mar. As florestas hão de ser de novo virgens e os desertos ficarão apenas como uma lembrança.
A vida acreditará definitivamente na memória, e os homens que não esperam nem acreditam deixarão de ser ouvidos porque de outros homens e peixes serão os sucessivos instantes de eternidade.
Creio dizer-vos a verdade dos tempos que hão de vir, mas temo ter apenas sonhado o que imagino. Ou será que não?»
Assim falou a nuvem, a pensar como seria bom que tal acontecesse em 2020.
(Excerto adaptado de Contraditório dos Peixes)

08/01/2020
 

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