Edição nº 1623 - 29 de janeiro de 2020

Carlos Semedo
AUSCHWITZ-BIRKENAU

Nunca estive em Auschwitz-Birkenau ou em qualquer campo de extermínio. Apesar disso, Auschwitz está em mim há muitos anos. Quando comecei a tomar consciência do que aconteceu em Belzec, Chelmno, Majdanek, Sobibór, Treblinka e outros lugares onde o inacreditável foi uma realidade, a minha forma de pensar o Mundo e a vida mudou.
Imaginar a guerra é sempre um exercício pouco próximo da realidade. A guerra pertence a uma categoria de coisas que só se assimila verdadeiramente se vivida. Não é por acaso que muitas das sequelas das diversas situações de conflito militar são do foro psicológico. Quem vive a guerra, muda interiormente e, na maior parte das vezes, a mudança perdura ao longo da vida.
Se com a guerra assim é, quando se trata da chamada Solução Final, entramos numa outra dimensão. Não é uma afirmação através da conquista territorial, de poderio militar ou desejo de hegemonia imperial. Aquilo que aconteceu no chamado Holocausto é realmente uma das mais tenebrosas páginas da história da Humanidade. Em primeiro lugar, a convocatória de uma animosidade relativamente aos judeus perfeitamente documentada ao longo de séculos. Torna-se mais fácil entender como é que, por exemplo, polacos e ucranianos colaboravam com tanta proficiência nas brigadas que ajudavam os alemães. Também torna mais plausível o que aconteceu em alguns países europeus, facilitando a deportação de centenas de milhares de judeus. Por outro lado, uma parte importante do Estado Alemão, organizou, de forma diligente e ao longo dos anos cada vez mais organizada, um sistema de morte à escala industrial. Esta mobilização, como se viu em Nuremberga e Jerusalém, foi assumida pelos funcionários, militares ou não, como uma qualquer outra tarefa. São tristemente famosas umas notas técnicas para melhoria dos camiões que, por exemplo, em Chelmno, funcionavam como câmaras de gás. A iluminação deverá funcionar na fase inicial do procedimento, para que a mercadoria não procure a luz do exterior e se acumule junto à porta, quando a mesma se fecha. A dimensão do compartimento de carga deve ser ligeiramente mais pequena para que não haja tanto risco de desequilíbrio do veículo. Deve ser acrescentado um ralo, para mais fácil evacuação dos fluídos e limpeza do compartimento. Lê-se e o cérebro estala.
Nos 75 anos da libertação de Auschwitz-Birkenau, apela-se à permanência da memória, ao trabalho pedagógico nas escolas, nas comunidades. A quantidade de pessoas que não faz a mínima ideia do que aconteceu naqueles anos quarenta do século passado é apenas um alerta. Mas há outros. Por exemplo, o que se passou nos anos noventa, nos Balcãs, com destaque para Srebrenica, aqui na nossa Europa e perante a apatia internacional. A mesma que se deixou iludir com a encenação em Terezin, para uma delegação da Cruz Vermelha, em Junho de 1944.
Quando Claude Lanzmann, realizador de Shoah, entrevista um barbeiro judeu, em Israel, a dada altura a testemunha de, salvo erro, Treblinka, não consegue continuar a falar. Tinha começado a narrar o momento no qual um colega também barbeiro vê entrar a sua mulher e filha, para que lhes sejam cortados os cabelos antes do gaseamento. Depois disto, escrever o quê?

29/01/2020
 

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