Antonieta Garcia
MONOLOGANDO…
Corria o ano de 2003. Na aldeia, o tema de conversa focava-se num caso estranho: o Padre tinha abandonado a paróquia. Lamentava a Ana:
- Olhe que nem as crianças, quis batizar! Que fossem para o “T”. Porquê? Nós, no Freixo, temos Igreja e capela. Temos tudo! Já fiz 50 anos e fui aqui batizada. Nesta Igreja que é muito antiga!... Deixou-nos, foi-se embora e não disse nada…
Desde essa altura nunca mais controlei a tensão. Isto é nervos! Que uma pessoa enerva-se! Desculpou-se, dizendo que lhe invadiram a Igreja! É mentira! Aqui mora gente crente! Esta terra é pequenina e já cá nasceram três Padres.
Nunca me há de esquecer! No dia em que minha mãe faleceu, estava cá o meu primo, o Padre José Barro. E ele, coitadinho, disse: “Eu é que digo a missa por alma da Tia!”. Era sobrinho e gostava dela! A missa estava marcada para as nove, mas só chegou às 10 horas. Telefonaram-lhe a pedir para ser o meu primo a celebrar. Recusou. Não era caso para fazer o que fez! A gente não merecia isto!
Sabe como tudo começou? Políticas… Não queria vir à Casa Mortuária buscar o caixão. A casa é nova e tem conforto! Antigamente as pessoas, quando morriam, ficavam em casa. Mas há muitas que não têm condições. O meu marido que está na Junta… e, puxa daqui, puxa dali, com a ajuda do povo, fizeram a Casa Mortuária. Pronto; não queria vir buscar o caixão, não vinha. A pessoa não ia sozinha. Acompanhava o funeral a Irmandade das Almas que é muito, muito antiga! O J. Dias tem lá a escrita em casa. E as pessoas iam com a Irmandade e levavam o caixão para a Igreja. Depois, lá, o Padre dizia a missa por alma do falecido.
Agora, nem ao Domingo! O Padre só celebra missa em” L.”, onde mora, e em “T.”! Foi-se embora daqui! A gente sente…. A tua mãe, coitadinha, que fez toalhas e toalhas lindíssimas, para os altares, com rendas grandes (e traçava o tamanho com as mãos) … também andava cheia de nervos. Toda a vida trabalhou para a Igreja! Agora queixava-se! Deus sabe que isto também ajudou…! Andava tão desgostosa, coitada! Ainda outro dia, fui lá a casa, e ela dizia a mexer nas toalhas dos altares: “Agora para que é que isto serve? Para que quero isto”? Rendas lindas, que fez com tanto gosto.... Olhe, partiu mais cedo! Elas não matam, mas moem!
O Padre bem sabia que nós não íamos a “T”... Para nada! Aquilo não é boa terra. Nunca foi. Lembro-me de ouvir a minha avó: nada de abrir a porta àquelas gentes!
Eu mando dizer as missas no Fundão! Outros, vão ao Souto… Na Irmandade das Almas, as pessoas pagam um tanto e têm direito a três missas! É muito antiga… Os senhores desculpem esta conversa! Às vezes, é preciso desabafar!
Olhe, quer levar serpão? Não se queimou. Este ano não caiu nevão! Estou a falar na geada! Leve serpão que o cabrito fica muito bom…. Está tão bonito!
Saímos da “venda”. Palmilhámos veredas, as pedras escorregadias, os troncos de árvores bordados de líquenes…. Uma sinfonia de melros e de água a correr encantavam e ajudavam a subir. Das janelas, saudavam-nos com a tradicional expressão camponesa: - Boas tardes nos dê Deus!