José Dias Pires
OS NOVOS DEMAGOGOS, OS DEDOS, A IDEOLOGIA, A IGUALDADE E O ESPELHO
Os dedos.
Os novos demagogos têm a maestria de saber usar os dedos sempre em seu proveito. Preparam o dedo polegar: cansam-no na vontade - esmagador. Depois, como alguém que ao cantar se esmera, deixam que se sente no sofá à espera de Godot ou, na falta de melhor, que, numa onda aparentemente impoluta, o mar tempestuoso consiga lá chegar.
Em seguida, esticam o dedo indicador e o olhar e tentam acertar a cor das palavras que hão de usar, como quem caça o instante antes de voar nas asas de um abutre chamado tempo que o abraça, enganador.
Cuidam do dedo médio como se a virtude fosse, no risco azul da delação, a posse que indica o meio. O dedo médio, num gesto aparentemente doce, ergue-se ereto e indica o sul. Finge-se de dedo comprometido e guarda, na mão, uma promessa: nunca acabar, mesmo que fique retido no olhar, o que começa.
Cortaram, há muito, o dedo anelar, para evitar compromissos.
Por fim, olham com desprezo o dedo mínimo, o mais pequeno, aquele que parece esperar e estar, ali, esquecido no tempo apetecido de moldar num toque, aparentemente ameno, o ódio que já se fingiu carinho.
A ideologia.
Os novos demagogos, velhos na vida como o tempo, esquecem que a ideologia tem raízes e é, antes da ação, invisível. Ignoram que a ideologia vai fundo na terra e depois cresce até à luz da vida. E que tem matizes de uma só cor e não pode ser imprevisível. E tem mundo. Só depois floresce para ser comprometida. É um esquecimento que os não preocupa.
A igualdade.
Para os novos demagogos, o pé da igualdade tem medida formatada e especial. Não tem esperança de vida, porque é um pé sem idade. Mas a mão da igualdade deve ser bem escolhida, ter um toque especial. Obriga-se a estar sempre à mão de semear e ao pé de ser igual, de ser sempre apetecida e a fingir-se como mão de liberdade. Para os novos demagogos a igualdade não tem cara, nem corpo, nem coração, nem sexo, raça ou credo. Tem peias, tem medo sem sentido e sem razão, que essa é a sua motivação.
O Espelho.
Os novos demagogos não enfrentam o espelho com os olhos de dormir. Saem do sono sem o menor complexo, porque essa é sempre a melhor forma de desculpar, no visível reflexo, os olhos e a cara do final do dia que está para vir.
Sentados nos bancos acusadores, dedos em riste, enganam o tempo, imaginando o fim dos outros e o seu começo. No passeio da frente está a outra margem das palavras que lhes preenchem o vazio, sem princípios. Neles, é sempre contraditório o tempo de lazer: viajam, num pequeníssimo segundo, até às margens remotas do seu mundo, onde já fingiram amar os que agora odeiam. Perdem, na planície, a noção dos horizontes e julgam ganhar o espaço que lhes falta na cidade. Preso de todos os complexos, julgam que cresce e voa o seu pensamento e, em aparente liberdade, quase têm luz própria, em lua nova, os pensamentos mais sombrios que germinaram todos os sentimentos de parar os outros para lhes ganhar cadeira.
Os novos demagogos, usam, na sua peculiar pesca, canas ou redes que obrigam, sempre, à conjunção de fios de donos diferentes que fingem tolerar-se e, de comum, apenas partilham corações vazios para os saciar da fome, agudizando a sede de ter e de poder.
Depois, envelhecido o dia, fica o espanto: retomam, à noite, a atração do espelho, sem ousar sequer tentar vencer, pela manhã, no desencanto, a novidade que nasce do que é velho e penteiam o seu rancor.