Lopes Marcelo
RENOVAR IDEIAS E PROJECTOS DE VIDA
Os difíceis tempos que vivemos exigem uma oportuna reflexão e renovação de ideias e conceitos que enquadrem transformações sociais, económicas e culturais, em que se possam ancorar novos projectos de vida.
Não é possível manter estratégias de crescimento infinito com a convicção de que cada geração consegue construir um futuro para os filhos melhor do que as condições de que já desfruta. Os recursos naturais do planeta são limitados e as rupturas nos ecossistemas geram esgotamento e alterações climáticas. A economia traduz-se em constantes fluxos de compra e venda já menos de produtos e de mercadorias e antes de serviços, registos e números. As empresas medem o seu desempenho centrado na expressão financeira baseada no lucro a todo o custo. É um modelo contra a natureza, agride o ambiente e é socialmente agressivo, desequilibrado e gera injustiças.
A modernidade dos últimos dois séculos gerou-se nas rupturas e salto qualitativo da Revolução francesa, com o conceito de cidadania, de Estado/Nação com o poder político, de governo do povo a residir nos cidadãos na base da igualdade, com liberdade para se ir tornando cada vez mais real e efectiva a fraternidade. Tratou-se de uma transformação histórica que reconhecendo os direitos de cada pessoa colocava a sociedade, a dimensão colectiva e social, como tónica essencial consagrando o modelo dito socialista ou social-democrata, conforme certas tónicas, origens geográficas e sociedades diferentes em que foi tentada a sua concretização
Uma outra perspectiva de revolução foi-se consagrando no modo de produção económico decorrente do respeito pela propriedade privada e reinvestimento do excedente económico cada vez maior devido à potencialidade crescente das fontes de energia (animal, água, vapor, carvão electricidade, petróleo, fricção nuclear) e evolução constante das tecnologias aplicadas nos equipamentos e linhas de produção. Tratou-se de uma revolução quantitativa e qualitativa na produção em massa que ampliou a igualdade no acesso a bens de consumo, mas que não só gerou como também baseia o seu progresso nos desequilíbrios e desigualdades sociais, assimetrias e contradições nos níveis de desenvolvimento entre territórios, regiões e países. Não colocando directamente em causa a liberdade, limita-a e perverte-a através das desigualdades sociais, deixando a dimensão da fraternidade para o Estado social pelos programas de solidariedade ou segurança social gerados na Europa sobretudo a partir da devastação da segunda grande - guerra. Este modelo produtivo capitalista que se revelou produtivo nas fases de reconstrução, de infra-estruturas, na produção de mercadorias com valor em função da sua utilidade, explodiu na progressiva desmaterialização e concentração de poder financeiro multinacional transversal aos países e com dimensão à escala mundial, que condiciona a actuação de governos e de instituições supra-nacionais. Da lógica e das consequências deste condicionamento, resultam muito comprometidos os valores de justiça social e as estratégias de solidariedade de cada país. Perante tal bloqueamento e ineficácia, vai enraizando o descontentamento, lutas sociais e movimentos populistas que, alimentando-se da democracia, a corroem e subvertem com projectos de poder pessoal, de grupo ou casta.
Contudo, é a nível da vertente da fraternidade/solidariedade que se impõe cada vez mais uma verdadeira revolução que permita a evolução social da humanidade. Um dos caminhos possíveis é cada país por si próprio assumir tal estratégia, mas tal representa a via dos nacionalismos que para além de perigosa para a democracia é muito difícil de vingar num sistema económico e financeiro global e interdependente. Esta é a encruzilhada mais relevante e delicada que abrange o sistema económico, o modelo de governo e o tipo de sociedade que marcam os nossos dias. É nesta dimensão da fraternidade/solidariedade que se joga o futuro da nossa sociedade já que é na vertente social que se insere o sector da saúde, da educação e da justiça. Estratégias e políticas solidárias, respeitando os outros pilares da democracia, a liberdade e a igualdade de direitos e deveres, são o grande desafio dos nossos tempos.