João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
FOI HÁ POUCO MAIS DE CINCO ANOS, no final do verão de 2015, que a fotografia de um menino de três anos encheu as primeiras páginas dos jornais. A família fugia da Síria à procura de abrigo seguro na Europa, num bote de borracha que iria naufragar pouco depois de se aventurar nas águas mediterrânicas, sepultura para ele, para a mãe e o irmão e outros companheiros de viagem. A imagem de Aylan Kurdi, a criança até ganhou nome, estendida cadáver no areal da praia, ocupou por uns dias as primeiras páginas e despertou consciências. Considerou-se que tragédias destas não poderiam voltar a acontecer, que teriam de ser encontradas novas políticas de imigração. Mas sabemos como as consciências adormecem rapidamente. Novos assuntos fazem esquecer os anteriores, os movimentos populistas antimigração atravessaram toda a Europa e a pandemia a ocupar até à exaustão os destaques noticiosos, fez com que, em notícia de rodapé, o Mediterrâneo continuasse a ser o cemitério de crianças, mulheres e homens. Mas por estes dias, mais um naufrágio de um insuflável, com 130 migrantes incluindo crianças e mulheres grávidas, todos desaparecidos nas águas do Mediterrâneo, voltou a colocar o assunto na ordem do dia, mas já sem a mobilização de consciências de há cinco anos, antes com alguma indiferença por um drama já banal. Mas pelas circunstâncias em que a tragédia aconteceu, poderemos continuar indiferentes? Sabemos que o bote saiu da Líbia com 90 pessoas, que pelo caminho, solidários, recolheu 40 náufragos e a embarcação não aguentou o excesso de tripulação. Durante dois dias pediram socorro através de meios de comunicação disponíveis. E durante dois dias, quem os poderia salvar fez ouvidos moucos dos apelos e esqueceu a solidariedade e compaixão. Quando foram encontrados por um dos barcos de resgate de migrantes já era tarde de mais. Quem não foi indiferente à tragédia foi o Papa Francisco. “Confesso que estou muito triste pela tragédia que mais uma vez ocorreu nos últimos dias no Mediterrâneo. Irmãos e irmãs, devemos nos interrogar sobre esta enésima tragédia. É um momento de vergonha “. A Igreja do Papa Francisco tem os que mais sofrem no pensamento. E também sofre por eles.
SEGUNDO ANO DE COMEMORAÇÕES do Dia da Liberdade, meio confinados e a não poder ser vivenciado em toda a sua pujança popular. Desta vez até já houve uma amostra dessa participação popular, com a tradicional descida da Avenida, ainda que em modo de segurança e infelizmente envolta em alguma polémica sobre a participação de uma determinada força política. Nas comemorações oficiais destaco dois momentos negativos, o discurso de André Ventura, num registo que já era esperado. Outro momento foi o da já habitual falta de comparência do ex-presidente Cavaco Silva, sem qualquer conhecida justificação, uma atitude que de resto até seria de esperar de um homem que recusou, enquanto primeiro-ministro, atribuir uma pensão a Salgueiro Maia, o rosto mais puro da Revolução. Mas tudo isto foi suplantado pelo excelente discurso de Marcelo Rebelo de Sousa. Pediu que se olhe para a história de Portugal sem complexos e combatendo intolerâncias. Lembrou que “não há, nem nunca houve um Portugal perfeito. Como nunca houve e não há um Portugal condenado”. Um discurso inclusivo, muito bem construído, que valeu por si só as comemorações oficiais.