José Dias Pires
QUE SEJA ASSIM O NATAL, TRANSFORMADO EM AGASALHO
Em pequenos, o Natal chegava quando se acendia o madeiro e, no alto do presépio, sem cantar, o anjo, bem sereno, parecia que cantava com um sorriso infantil, matreiro, e um brilho intenso no olhar.
E era assim:
De três paus de figueira sem calor e sem chama nascia um lume de rama. De três pedras pequenas levantada a cabana; espigas a fingir de palha; rolos de barro com palitos a fazer de animais; a prata de um chocolate bem comido era estrela do norte e um galito de Barcelos era o anjo cantor; ramos de árvore morta eram, ali, o pinheiro; algodão em rama era a neve sem frio e o musgo do bosque era o mapa do chão.
Naquelas vésperas de mudança, faziam-se promessas de tudo mudar para melhor, incumprindo, logo a seguir, a primeira: a sala ficava toda às avessas, e, apesar do frio, sobrava o calor do papel amarrotado nos gritos felizes de criança.
Contudo, há uma doce avareza, há uma alegre apatia, há uma moldura vazia e um menino ignorado de dois mil e tal anos. Faltam farrapos de neve e sobram farrapos humanos.
Neste Natal, corremos o risco de ficar calados, quando é tão ruidoso o silêncio das ofertas que afinal não passam de promessas para depois.
Neste tempo, quase sempre de sorrisos feito, usamos a desculpa de estar cansados e deixamos as portas bem abertas para que entrem reis magos, vaquinhas e bois, sem lembrar os que ao Natal não têm direito e não entram em lado nenhum.
Há um tempo medido, preparado, ensaiado para fazer esquecer, num só dia, estes anos. Cresce, em força balofa, o engano papel, numa vida escondida e talhada à medida que obriga o pescoço a fingir que vê quando olha para o lado.
Em pequenos, o Natal chegava num pinheiro. Por vezes até era salpicado com neve natural, e o galo, sem cantar, sereno, ficava longe do madeiro, resguardado num recanto do quintal.
Que bom seria viver um Natal assim em toda parte, tranquilo, sem fome, sem tiros, sem demora!
Fica um pedido que, creio, pode fazer algum sentido:
Tranquilo, no seu pinhal, fique o pinheiro descansado e livre de ser maltratado no seu destino anual. Transplantem para o quintal, depois de aberta uma cova, uma oliveira bem nova. Reguem-na com muito carinho, sempre que a terra o pedir. Vão poder vê-la a sorrir, que é crescer devagarinho à espera do Natal.
Que bom seria que pudesse ficar escrito que a partir de hoje fosse assim: viva a árvore! Viva! Viva! Viva a Árvore de Natal, a árvore que está no quintal, na rua, na praça ou jardim, que, sem ter muito trabalho, pinga, nas gotas de orvalho, os sorrisos do Natal.
Que seja assim o Natal, transformado em agasalho.