Elsa Ligeiro
SERRA DA GARDUNHA - UM BEM COMUM
A Serra da Gardunha é uma riqueza incalculável dos concelhos de Castelo Branco e do Fundão.
Pela beleza evidente, a diversidade e os imaginários que convoca.
Não se compreende que dois concelhos vizinhos que partilham a mesma Serra não desenvolvam projetos comuns para transformar a Gardunha numa fonte de desenvolvimento da Beira Baixa e Interior.
Apetece-me enumerar como no poema “Pátria” de Sophia: pedra, rio, vento, casa, espaço, raiz, água e refúgio.
A Serra da Gardunha tem histórias ancestrais e tem plantações de cerejas e pêssegos; tem um poeta universal: Eugénio de Andrade; e tem uma aldeia histórica parada no tempo que é um cenário inigualável de contos de fadas e duendes; e tem ainda avistamentos inexplicáveis; fora do tempo e do espaço.
Tudo no concelho do Fundão, reconheça-se; e com todas as qualidades (não menos relevantes) no concelho de Castelo Branco ainda por explorar.
Perante tal oferenda custa a acreditar que os sucessivos responsáveis de um e de outro concelho não tenham conseguido sentar-se a uma mesa e falar de projetos em comum, numa colaboração que podem transformar em investimento com escala.
Também, claro, na vertente do turismo rural e cultural: única resposta para todos os problemas em Portugal, o que prova o tempo medíocre em que vivemos, um tempo de excessos no consumo e de poupanças na inteligência ativa.
A inteligência ativa é, acredito, uma excelente fonte que nos permitirá encontrar vias de colaboração e eficácia no trabalho (a sério) por um território comum.
Também na preservação cuidada da paisagem. E na criação de acolhimento para migrantes e nómadas digitais, que, pela sua singularidade e capacidade de fruir o território, possam ser zeladores naturais da Serra.
Participei no passado dia 3 de fevereiro no Dia Aberto na Gardunha, organizado pelo município do Fundão.
Dos inscritos, entre todos, um casal de nómadas digitais brasileiros. Com uma língua comum e uma descoberta da Serra em linguagem cada vez mais universal: a de uma natureza que integra o humano como valorização do espaço e não apenas do consumo.
Subimos a Serra da Gardunha a pé, fomos ao Carvalhal com o relato revolucionário da frase gritada pelo povo ao grande proprietário Almeida Garrett: “O Carvalhal é Nosso”; e assistimos durante o almoço à explicação do que é um território comum; sem proprietários, difícil de assentar no papel do conservador predial, mas que é todo um manifesto de liberdade.
E sim - chegamos ao maior valor da Serra da Gardunha - a liberdade.
Em pleno século vinte e um, a liberdade é um bem de valor cada vez mais raro (lutam por ela, na rua, os professores, se ainda não perceberam); lutam por ela todos os que sentem o fardo de governos cada vez mais prepotentes em que veem em cada ser humano apenas alguém em que podem exercer a sua autoridade tributária (de forma fascizante e sem rosto).
Mas porque gosto de apresentar soluções, aqui fica uma aos responsáveis autárquicos de Castelo Branco e Fundão: deixem-se de projetos megalómanos, de muitos milhões que pela sua natureza se arrastarão por anos e anos, lidando com oportunistas que não perdem uma possibilidade para ganhar a sua comissão de muitas centenas de milhares de euros; e que num governo piramidal de chefes e chefinhos (o tal que não confia na liberdade de decisão do seu subalterno, porque a responsabilidade quer-se do chefe, aconteça o que acontecer; embora essa, a responsabilidade, a do chefe-maior ficará concluída, sem nenhuma consequência, com uma demissão à portuguesa, única exigência criminal exigida, todos o sabemos).
Deixem-se de projetos de muitos milhões e criem desafios aos jovens do concelho e do país para trabalharem na Serra da Gardunha, que a ocupem e a sintam como a sua casa: com projetos digitais, de agricultura moderna ou ancestral, de investigação científica para o aproveitamento dos rios que atravessam a Gardunha e das ribeiras que brotam de cascatas no granito da Serra.
Deixem microprojectos nascerem na sua diversidade.
Confiem nos jovens para alicerçarem o nosso futuro e o da Beira Baixa. Em pequena escala (como deve ser a humana).
Como deve ser o futuro do mundo e da Beira: com pequenas comunidades que interagem.
E depois vigiem o vosso investimento como devem vigiar a Serra, com delicadeza e com apuro.
Deixem que sejam os futuros residentes a receber os “turistas” de todo o mundo.
Dêem-lhe a confiança que já nos falta. Deixem a sua energia dinamizar o nosso futuro comum. Com compromisso, mas também com o bem precioso que a Serra da Gardunha tem em excesso: a liberdade.