Edição nº 1800 - 5 de julho de 2023

Guilherme D'Oliveira Martins
O ENTUSIASMO DA LEITURA

Há dias, na iniciativa “miúdos a votos”, pediram-me que escolhesse um livro. O embraço da escolha pôs-se. Optei pelo clássico britânico que primeiro me foi contado a partir da língua original por uma tia, tinha eu seis anos. Hesitei diante da adaptação de Branquinho da Fonseca, militante da boa leitura, em “No Rasto do Corsário” sobre Fernão Mendes Pinto, mas não tive tempo para decidir de outro modo.
A importância da narrativa e da leitura, o contacto com o livro é essencial para uma formação equilibrada e para uma aprendizagem atenta, crítica, com sentido da proporção, da perspetiva e dos valores, a que se chamou já “literacia profunda”. A minha escolha poderia abranger outros exemplos, mas fiquei-me por Jonathan Swift (1667-1745), poeta e clérigo que se destacou como um severo crítico dos costumes do seu tempo. Natural de Dublin, popularizou-se como o mais célebre dos escritores satíricos de língua inglesa. Teria começado a escrever o mais conhecido dos seus livros em 1714, “Viagens a diversos países remotos do mundo em quatro partes, por Lemuel Gulliver, a princípio cirurgião e mais tarde capitão de vários navios”, sendo o objetivo da obra não deleitar os leitores, mas sim alertá-los para os males de que uma sociedade pode padecer. Por essa razão a impressão tipográfica das “Viagens” foi rodeada das maiores cautelas, com recurso a diversas tipografias e, mesmo assim, com algumas passagens suprimidas, para evitar dissabores com a justiça lenta ou os favores ilegítimos. Longe de utopias, o que estava em causa era a crítica da realidade pelo uso da ironia.
Liliput é o primeiro dos destinos descrito, situado algures no Índico, como país de pequeníssimos seres humanos, exemplos de cobiça e inveja. Aí o austero imperador estipulou uma ração diária alimentar correspondente ao sustento de 1728 liliputianos, segundo complexos cálculos dos matemáticos considerando que a altura de Lemuel era doze vezes superior à deles. Seguiu-se Brobdingnag, na costa Oeste da América do Norte, onde o viajante encontraria uma sociedade com habitantes 22 vezes maiores do que ele – que lhe deram oportunidade para discutir as forças e as fraquezas políticas das Ilhas britânicas e da Europa, verificando a fragilidade da cultura deste povo. A terceira parte tinha lugar perto da Índia, na bizarra ilha voadora de Laputa, onde o culto das artes e das ciências se revelava burocrático e inútil, em Balnibardi, onde a ficção científica se confundia com o absurdo, em Glubbdubdrib onde um mago permitia o diálogo com Homero, Aristóteles e Descartes, em Luggnagg onde havia seres imortais, condenados a uma terrível velhice eterna e no Japão, onde se sentiam os efeitos da intolerância religiosa. Tudo terminava no país dos Houyhnhnms, uma raça de cavalos falantes que governavam um povo de que faziam parte os Yahoos, humanoides com razão elementar e odor pestífero, que exacerbavam os defeitos da humanidade. Naturalmente que Gulliver foi declarado um perigo para a sociedade e devolvido á condição de náufrago, sendo resgatado por um navio português, comandado pelo capitão Pedro Mendes, figura cortês e bondosa, que o trouxe até Lisboa, depois da experiência com os misteriosos Yahoos que tinham causado tão negativa impressão sobre a humanidade… Os portugueses começaram por descrer de tudo quanto Gulliver contava, o que muito o ofendeu, tomando o relato como uma fantasia, fruto de imaginação pródiga.
“O capitão, um homem sensato, após várias tentativas para me apanhar em falso na minha história, aprendeu finalmente a aceitar a minha veracidade como tal”. Mesmo assim, Gulliver tem o cuidado de afirmar que a sua descrição sobre os males que encontrou “não se aplica de modo nenhum à nação britânica que pode ser tomada como exemplo para todo o mundo pela sua sensatez, cuidado e justiça” … Resta saber que significaria esta desculpa final, se um cuidado com a censura, se um remate moralizador… Responderá sempre o leitor.

05/07/2023
 

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