Edição nº 1814 - 18 de outubro de 2023

Lopes Marcelo
VIVOS, MORTOS; HÁ-OS DE PRIMEIRA E DE SEGUNDA

A sociedade democraticamente organizada tem o Estado como Pessoa Colectiva de bem e confiável. Os cidadãos contribuem com os seus impostos para que o Estado, através do Governo, deles cuide com justiça, em igualdade de direitos e de deveres na base da boa fé e da confiança recíproca.
Não basta ao Estado afirmar-se, apenas estando! Não basta ao Governo existir como um fim em si mesmo, alimentando-se de uma parte dos recursos nacionais. Não se é Ministro, Secretário de Estado, Director-Geral ou Presidente de Câmara; antes, exercem por delegação e temporariamente as funções respectivas, delas devendo prestar contas. Contudo, sabemos bem como há responsáveis políticos que ao assumirem as suas funções são tomadas por uma vibração de auto-convencimento e auto-estima na áurea especial que recebem da investidura, de uma iluminação especial, de competência, certeza e autoridade em patamar superior, quase sagrada. O brilho da auto-imagem ofusca-lhes a realidade. E em tal postura vivem, se comprazem e se entranham perante as mordomias, os gabinetes de luxo, os carros de alta cilindrada, as vénias, as ofertas, os salameques de quem lhes bate nas costas e os endeusam. Assim, o sistema de poder vai ficando viciado, correndo o risco de ficar capturado pela auto-ilusão de quem o exerce, perante a cumplicidade passiva de muitos, maioria silenciosa com a clássica atitude de indiferença do encolher de ombros, ou de outros tantos seguidistas, bajuladores e oportunistas: - sim, sim, V. Exª é quem pode, é quem sabe, é quem manda!
Da realidade auto- ofuscada ao divórcio com as situações concretas de injustiça, de insensível tratamento desigual, de cidadania de primeira e de segunda; voltamos hoje a falar referindo duas situações da realidade social colectiva que abrange vivos e mortos, sempre com prejuízo para os mais pobres, os mais idosos e mais fracos.
No campo dos vivos, como podemos compreender e aceitar que em tantas localidades para se conseguir marcar uma consulta médica se tenham de formar em plena na rua enormes filas com a necessidade de as pessoas chegarem pelas quatro ou cinco horas da manhã? E quanto às urgências fechadas em tantos hospitais, que expectativa de confiança e de segurança podemos ter perante a hipótese de doença súbita que não escolhe hora nem lugar? A que ponto será preciso chegar?
Uma outra situação tem a ver com um funcionário municipal da proteção civil de Oleiros que, em Outubro de 2017, quando abria um asseiro com uma máquina pesada tendo em vista a contenção de um grande incêndio, faleceu engolido pelas chamas. A família ainda não recebeu qualquer indemnização do Estado. Como relata a Comunicação Social regional, numa carta fria de 2019 assinada pelo Gabinete do Primeiro Ministro, informava-se que “não é legalmente possível proceder à equiparação da vítima em causa ao estatuto das vítimas mortais dos incêndios de 17-24 de Junho e de 15-16 de Outubro de 2017.” Acrescenta ainda que “pese embora a Lei 108/2017, de 23 de Novembro, preveja a possibilidade de o Governo alargar a aplicação do respectivo regime a outros concelhos e a outros incêndios florestais ocorridos em 2017, estabelece critérios específicos, atendendo à dimensão da área ardida, ao número de vítimas e ao montante global dos danos verificados”. Quer dizer, há mortos de primeira e de segunda conforme a dimensão do incêndio e o número de vítimas? Tem menos valor a vida e o mérito do dedicado funcionário, porque o incêndio que o vitimou não foi suficientemente grande, bem como o número de mortos não ter sido excepcional? Por onde anda o sentido de justiça de quem nos governa? E o elementar bom senso? Se a lei não o prevê, então adapte-se a lei. Aliás, nesse sentido, em Julho de 2019 o Parlamento aprovou uma Recomendação ao Governo no sentido de que a família daquele trabalhador fosse indemnizada nos mesmos termos das vítimas dos outros fogos. Esta Recomendação foi aprovada por todos os grupos parlamentares, com excepção do PS que se absteve.
Ocorreu recentemente a comemoração do 75º Aniversário dos Bombeiros Voluntários de Oleiros. O Presidente da Câmara exigiu justiça para com a família da vítima mas, da Secretária de Estado da Protecção Civil ali presente, nem uma só palavra. Contudo, a cerimónia decorreu com a festiva recepção à governante e, com certeza, a habitual almoçarada. Temos bons costumes de receber bem, até quem menos merece. Até quando? Os governantes e os deputados, perante tudo isto dormem, celebram e convivem em sã consciência social? Não têm nada a fazer nem a dizer a tão dolorosa injustiça?

18/10/2023
 

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