Maria de Lurdes Gouveia Barata
OS CRISÂNTEMOS DE NOVEMBRO
As flores são apelo em qualquer estação, havendo as que mais especificamente se ligam a uma delas. Falemos então das de Outono. E pronunciar-me-ei sobre crisântemos, porque Novembro acolhe a linguagem da cor apelativa das fartas pétalas, que podem ter camadas duplas, o que faz com que o nosso olhar descubra uma pujança da flor que se manifesta em beleza. Flor dourada, remetendo para o amarelo original, a origem grega do nome assim concede: o prefixo chrys-, que significa dourado e anthemon, significando flor. A tradição do cultivo do crisântemo nos países asiáticos é milenar - há mais de 2.500 anos na China, sendo levada para o Japão pelos budistas, chegando ao ocidente no século XVII. Há centenas de variedades e, embora tenha flores o ano inteiro, torna-se especialmente procurado no mês de Novembro. Os místicos consideram esta flor mediadora entre o céu e a terra, a vida e a morte. A filosofia budista aponta o crisântemo como propiciador de felicidade e alegria no lar.
Todavia, pode dizer-se que o crisântemo é uma flor do luto na medida em que se torna presença marcada no Dia de Finados ou Dia dos Fiéis Defuntos ou Dia dos Mortos. Em língua inglesa, a data de 2 de Novembro (aceite praticamente em todo o mundo) é designada por Dia das Almas (All Souls Day) - lembram-se e homenageiam-se os mortos, reza-se pelas suas almas.
Normalmente, o Dia de Todos-os-Santos em 1 de Novembro torna-se Dia de Finados também, pois a peregrinação à morada dos mortos tornou-se um hábito de grande afluência de pessoas que querem avivar recordações e alindar a campa dos entes queridos - é como dizerem aqui estamos presentes neste dia de significado profundo e colectivo. E os cemitérios ficam vestidos de flores como se houvesse incentivo de uma Primavera. O silêncio quebra-se no vozear e no ruído de passos estugados, o lugar de solidão enche-se de companhia, para evocar lembranças que exprimem os sentimentos de afecto. Testemunham que os mortos lembrados têm vida nos corações que os amam ainda. Há um provérbio que diz: «Vida sem amigos, morte sem testemunhas». Mas o Dia de Finados continua a ter as testemunhas que homenageiam os que partiram, porque há amigos.
Neste mês de Novembro de 2023, quero crisântemos para abrir um sulco que fique como marco de partida da GRAÇA FRADE. Estes dois signos são a suficiência para a identificação do seu percurso como professora em vários níveis de ensino (do primário ao superior), como Directora da CIJE (Casa da Infância e Juventude), como pessoa que se tornou figura pública em Castelo Branco, deixando a marca de profissional competente e de pessoa que descobriu ser feliz formando alunos, formando futuros professores, apoiando e preparando jovens para a vida.
Porém, para mim é mais do que tudo isso - e olhei, no dia 5 deste mês de Novembro, para um céu esfarrapado de azul e nuvens e vi, numa nuvem mais branca, a minha colega de liceu, da minha turma, vi-nos às duas de bata branca obrigatória - que o Estado Novo gostava de fardas - rindo-nos de futilidades, em riso de garotas ou de colegas já adolescentes, a fazer recíproca partilha, que o convívio e a amizade permitem num percurso comum de vida naquela época. Atitudes e comportamentos da GRAÇA FRADE faziam-me olhá-la como «menina ajuizada», responsável, que continuaria a ser na sua maturidade e no desempenho profissional e emocional.
A GRAÇA FRADE partiu envolvida em flores de Novembro, decerto estavam lá todas as que foram alcançadas pela estação de Outono. Muitas flores, muitos cartões com mensagens decerto doridas e cheias de ternura e de comoção, registando com espanto a sua partida inesperada e considerada precoce. Vida com muitos amigos presentes, testemunhas, sentindo o amargo da separação.
E eu enchi-a de crisântemos de todas as cores, mas não levei materialmente crisântemos. Tinha-os apenas no meu coração, onde ela está.