Antonieta Garcia
MULHERES E.… SILÊNCIO
É sempre assim: se a palavra se solta da boca das mulheres, inferniza o quotidiano. Não é por acaso que, desde pequeninos, aprendemos os “malefícios” continuados da fala feminina.
O Mal nasceu, depois da conversa entre um Demo feiticeiro e a Mulher a reivindicar a maçã apetitosa do Paraíso divino. A maçã vestiu-se de gala pela primeira vez. Os pecados multiplicaram-se. A curiosidade e a desobediência da primeira mulher desperdiçaram a intenção dos deuses. Afinal, Adão e Eva podiam comer de tudo o que havia no Paraíso, de todas as árvores, menos de uma: a do conhecimento do bem e do mal. Entretanto, uma serpente convence Eva a comer a maçã; Adão não resistirá à sedução da fruta oferecida por Eva, culpa-a pelo pecado. Ambos são expulsos do Éden. Num ai, desbarataram o Bem. E tudo continua como se não houvesse ontem.
Nunca houve ideias liberais que servissem às e para as mulheres. Porquê? Porque é preciso saber o que se diz na altura devida e obedecer, obedecer, obedecer.
Nos dias que correm, no ano de 2024 da graça do senhor, lá está mais um casal a purgar-se, a arrepender-se, amarguradamente, das contas com futebóis e similares que os colocaram desconfortavelmente no cárcere. Não é ficção. O doutor juiz há de ouvir desvios e enganos. Com uma vantagem: a esposa do indivíduo que desempenhou o papel de ajudante na narrativa não falará! Não há Eva. A boca fechada é no feminino. A este jeito chama-se inteligência, porque sempre que a língua da mulher intervém sem ouvir quem sabe, perfilam-se imediatamente para atuar, males, doenças, dores, vícios, desgraças...
Esta senhora, sozinha, impressiona pelo comportamento a que se obriga...Era menina e já se habituara a pedir livros e outras prendas que ensinassem procedimentos irrepreensíveis. Uma santinha! Ainda se lembrava, por exemplo, de um missal com dedicatórias e com uma capa de madre pérola linda de morrer; isto para não falar dos véus brancos e vestidos caríssimos de ver a deuses...
Em suma, os relatos sobre a infância escoravam a esperança de estar a criar-se ali, uma menina capaz de superar desafios. Calada e mulher os pecaditos serviam para dar aquele toque feminino glorioso.
Maldita noite aquela em que os companheiros, amigos do futebol hão de ter prevaricado demais... Ela, triste como a noite triste, seria sempre solidária com quem merecia. Ela que nem dava pontapés na bola, não proferia palavrões, nestas ocasiões ou noutras parecidas, nem a boca abria... Ouvia o conselho:
- Pela boca morre o peixe!
- Quem muito fala, muito erra!...
- A gargalhada espanta! O sorriso encanta!
Não se comportavam todos desta maneira, claro! O sortido de biografias era variado e biografar alguém, neste contexto, significava reconhecer que, ao atirarmos a rede, muito peixinho se pesca; outro fica por apanhar.
Vivam as que andam pelo Paraíso! Com qualidades e defeitos, são as descendentes de Eva! Algumas construíram despautérios pequeninos porque nem sabiam que havia outras dimensões maiores. Agora, imaginem: e se fosse o homem a desobedecer e a comer a maçã?
E que fazer com a Gata Borralheira, a mulher com o pezinho mais pequenino da história que se conta? E como nos livramos dos venenos da bruxa que adormeceu a Primavera e a fez, em segredo, Bela Adormecida? Mais: salvamos os sapos feios e perversos que casam com uma adorável menina? Os seculares deuses do Olimpo que decidam...
Não falam? Não entra mosca, nem sai asneira. A ele, ao homem, sabe o que lhe cumpre dizer. Ela, antes que entre em contradição, cala-se! Coitadinha da senhora, tão silenciosa!!! Mulher serve apenas para construir penas e teias de fados plangentes? Tudo isto é triste!
Nestes casos, garantem-me que as raparigas (ouçam o nome saltitante), quando percebem que o enredo da narrativa, em que as fizeram personagens, tem fios do arco da velha, atiram com a maçã bíblica ao ar, e cheiinhas de remorsos ... roem as mais saborosas.