José Dias Pires
ABRIL: A PREPARAR OS TEMPOS QUE HÃO DE VIR
Vêm com cardos nas lapelas disfarçados com cores da outra flor. Oferecem-nos rosas segurando as pétalas pois temem que tal gesto possa parecer amor.
Fecham os olhos para chamar memórias de um cinzento que sempre lhes foi colorido.
Mas nós cá estamos: cravos vermelhos sem temer as mãos feridas num abril (mais que) merecido.
Todos os anos se renova a deliciosa espera: mesmo com tempestades, ninguém vencerá a trova que projeta em abril a primavera.
Vêm com cardos nas lapelas disfarçados com cores da outra flor, e são os que no verbo ter, como sempre, se perfilam.
Será que ainda lhes dói a conjugação do verbo ser?
Preenchem o percurso com músicas antigas, caminham pela sombra, porque conseguem ver nos olhos dos que não sabem que destilam ódio e medo, em palavras aparentemente amigas.
Afinal, é sempre do seu presente que nos falam, que esta tontura não tem futuro e a força das palavras não depende da mão.
Mas importa descobrir o que nos calam, iluminar tudo aquilo que hoje é escuro e gritar: por aí não!
Eles querem lá saber! Só lhes importa ter, apenas ter!
Mas há um encarnado, vermelho, tão velho, tão aceso e celebrado.
Há, de sangue, um resquício sempre flor, um perfumado amor de mão em mão, voluntário e benefício.
Há um vermelho, encarnado, celebrado no acaso de ser velho.
Há um porto seguro a florescer e a envelhecer que urge ser, e ter, futuro.
Vêm com cardos nas lapelas disfarçados com cores da outra flor, e com olhos melosos, de novo, nos dizem: “É por aqui”. Abrem-nos os braços, como se o abraço fosse sinal de porta aberta ao que se ouviu. Será que ninguém sentiu como era estranho o sorriso agridoce, que esconde, entre dentes, aquele ali?
Enfrentaremos, nos vultos, os olhares das feras (que lançam, sem medo, as dúvidas severas), mãos na frente, contrariando esperas, se soubermos que afinal não será por ali.
Que, se a merecermos, a nossa glória seja esta: estar sempre em primeiro o que é humano, na certeza clara que não é eterno, pois viver é ter, no tempo que nos resta, valores muito para lá do que é profano, por respeito a quem nos deu o aconchego materno e a festa.
Saberemos que por ali não vamos?
Os pés dizem que o caminho é diferente, e não se esconde, apesar das maviosas loas dos deificados amos cujo devir só de olhar se sente, e que vêm com cardos nas lapelas disfarçados com cores da outra flor.
Não é por ali o lugar onde! É preferível tropeçar, cair nas pedras da calçada, ficar doridos, magoados e aprender que por ali, para ali, não queremos ir.
Sendo tão pouco é este tanto nada que nos ajuda no teimoso reerguer.
Estaremos aqui para descobrir a novidade nas florestas e, à falta de melhor, deixar marcas nas terras lamacentas, sem cantigas de saudade nem luminosas sombras que há nas festas que são sempre o corredor que desagua nas tormentas.
Amamos o impossível?
O ali, com que nos brindam, são só os cortinados dos salões, o centro, entre acepipes, dos conclaves onde as miragens de avenidas nunca findam nas mãos abertas de quem, em gestos suaves, depenica a sua fome nas nossas feridas, nas nossas vidas.
Chamem-nos loucos, perdidos, o que quiserem, mas abençoada seja esta razão que nos aflora a voz e da boca se escapa.
Hoje já não há meio-termo para os que querem determinar fronteiras nas nossas vidas, com as ofertas que nos chegam à socapa.
Vêm com cardos nas lapelas disfarçados com cores da outra flor, e com olhos melosos insistem em dizer-nos: “É por aqui”
Nós, tantas vezes sem saber como vamos, mas obrigados a saber porque vamos, só podemos saber que não vamos, de certeza, por aí.
Chegaremos à nossa terra, que, sendo de outros na nossa ausência, foi sempre aquela, é sempre esta, será sempre a outra onde vivemos a permanência.
A minha terra, a tua terra, a nossa terra sendo de quem nela vai estar, foi sempre aquela, é sempre esta, será sempre a outra onde descansa o nosso olhar.
A minha terra, a tua terra, a nossa terra se for mesmo nossa, mesmo, mesmo nossa, há-de guardar, numa janela, aquela fresta Igual à outra por onde, de mansinho, nos chegue, límpido e livre, o seu ar perfumado num cravo vermelho - para sempre.