José Dias Pires
COM PERMISSÃO DE CAMÕES
Para onde correm tuas águas, triste rio,
Ao Céu escondendo afrontas que ficaram
Mirradas na tua foz onde não param,
Se hoje é sempre inverno, até no estio?
Até a esperança é, em ti, apenas arrepio,
Vencida nas promessas que ficaram
Dos malfadados vates que ignoraram
Os que, no verde azul, sonharam rubro desafio.
Afoga, se puderes, dentro de ti, esta desdita
Que é termos, entre nós, quem se aproveite,
Do que Deus não quer e o Demónio esquece.
Haverá, rio magoado, quem contigo compita
Os limos e os fundões que são deleite
De quem nos mata quando morrer merece?
Mudar-se-ão os tempos, mesmo que as vontades
Não queiram ser farol de confiança;
Ainda há no mundo um mar imenso de mudança,
Aproveitemos pois, das marés, as qualidades.
Envelhecidas estão as novidades
Que nos quiseram dar como esperança;
Hoje fica magoada a lembrança,
Ainda bem, se nos esquecermos das saudades.
O tempo há-de cobrir-nos como manto,
Até que derretamos a neve fria,
Sem choro, conversão ou doce canto.
E embora tudo mude em cada dia,
Havemos de mudar, até o espanto:
Dos que não mudam, mudando como soía.
Com o tempo se acaba em cada hora
A frágil manha, mascarada em fortaleza;
A fama volátil dos que ordenham a riqueza
E até o próprio tempo, badalando, chora.
Repete-se a busca e o fim é sempre onde mora
A ingratidão, tempero de sorrisos ou de dureza,
Que não irá vencer pela tristeza,
Quem a souber serpente e não senhora.