João Morgado prepara-se para lançar o conto Costureira de Sonhos
“As palavras sempre foram a minha matéria-prima”

João Morgado afirma que as palavras sempre foram a sua matéria-prima. Trabalhou como jornalista, foi adjunto do ex-presidente da Câmara de Castelo Branco, César Vila Franca, e do atual presidente da Câmara da Covilhã, Carlos Pinto. Trabalhou como consultor de comunicação e foi formador.
Com dois amigos, escreveu o primeiro livro aos 12 anos, mas ficou encaixotado do sótão de casa.
“Era um livro de ficção científica, pois andava deslumbrado com a série Espaço 1999. Depois leu os clássicos da literatura portuguesa e começou a escrever uma série de contos que nunca editou.
Os livros eram um sonho sempre adiado. Mas em 2010 lançou o seu primeiro romance Diário dos Infiéis, sobre a vida íntima de quatro casais, que se tornou um livro de culto para muita gente e uma das obras mais citadas no Facebook.
O seu nome ganhou notoriedade e foi convidado para tertúlias um pouco por todo o País.
Em 2012 surpreende ao ganhar o Prémio Literário Vergílio Ferreira, com o romance Diário dos Imperfeitos, uma nova viagem à intimidade das pessoas, “a iniciação ao prazer em contraponto com a moralidade, a redescoberta dos sentimentos”.
Foi a sua afirmação enquanto escritor a nível nacional. Lança agora a segunda edição.
Gazeta do Interior (GI) - Descreve o Diário dos Infiéis e depois Diário dos Imperfeitos como duas viagens à intimidade. É um exame aos nossos pecados?
João Morgado (JM) - Nos meus romances não há heróis nem vilões. Falo de gente vulgar com vidas banais, de pessoas com defeitos e virtudes. Agora, procuro por o dedo em feridas, pois assumir o pior que há em nós é a única forma de nos conhecermos verdadeiramente… e a única forma de fazer sobressair o que de mais puro nos habita. Cada ser humano é um universo imenso - «A alma não sai de dentro de nós, mas dentro de nós há espaço suficiente para uma alma se perder». A viagem à intimidade é para retratar uma luta interior entre a perdição e a redenção. Uma luta que acontece em todos nós!
GI - Em que se inspira para estes livros tão intimistas?
JM - Não escrevo livros de ação. A minha escrita é reflexiva, centro-me nos sentimentos das pessoas. Os sentimentos são o maior património que temos em comum. Ou seja, em diferentes situações, todos nós já sentimos as mesmas coisas: alegria, amor, felicidade, ódio, raiva, nojo é por isso que muita gente se identifica com o que escrevo… porque acabam por redescobrir sentimentos a reviver emoções que de uma maneira ou outra já viveram. Muita gente diz-me: «Parece que estava a escrever sobre mim.»
GI - São livros eróticos?
JM - Uma viagem à intimidade não pode deixar de lado o apelo dos sentidos, os impulsos da paixão, do desejo… é a grande energia das pessoas. «É inacreditável até onde alguém pode chegar movido pelo desejo de possuir alguém»… Mas uma vez mais, a tónica está nos sentimentos que o desejo provoca, na envolvência, no despir interior dos corpos, mais do que no despir da pele…. Para isso há agora livros de muito sucesso!
GI - O desejo ou o amor?
JM - O amor não existe. «O amor é uma ridícula invenção dos poetas. O desejo é a invenção da natureza. O amor enleva os homens como uma oração, mas a natureza é a imagem mais próxima de Deus - poder supremo. O amor, seja o que for, será sempre um derivado do desejo»
GI - Só desejo?
JM - O desejo faz parte da nossa programação genética, é a força da natureza, a base de tudo. Mas o desejo vem sempre embrulhado em sentimentos, mesmo quando é um desejo instintivo, básico… O desejo aproxima dois seres, essa intimidade leva à ternura, à partilha de afetos, ao diálogo, à amizade, ao companheirismo… Se à soma de tudo isto quisermos chamar Amor, aceito.
GI - E quando se perde o desejo?
JM - Perde-se quase tudo, pois iniciamos o caminho inverso – sem desejo perde-se a intimidade, a ternura, a partilha, logo perde-se o diálogo, a amizade, até que se perde o respeito e aí, perde-se tudo! «A morte é um fim, mas a indiferença é um fim inacabado. É por isso uma agonia». O grande desafio de uma relação é saber manter o desejo, tendo em atenção que a linguagem do desejo muda com as circunstâncias da vida, com a idade… o que mata o desejo não é o envelhecimento do corpo, é a falta de comunicação, a falta de sintonia… com o tempo o desejo é cada vez menos físico. Andar de mão dada é uma coisa, desejar andar de mão dada é outra.
GI - E isso faz de nós seres imperfeitos?
JM - «Perfeitas são as pessoas que ainda não conhecemos. Na vida real todos somos imperfeitos. Amar alguém, é ter a capacidade de amar esse alguém até à imperfeição, beber-lhe a imperfeição, tocar-lhe na imperfeição e, ainda assim, gostar do seu gosto, ansiar pelo seu toque». É preciso reconhecer que não há o amor perfeito, o amigo perfeito, até mesmo o pai ou a mãe perfeitos, e é nessa tomada de consciência que aprendemos a gerir os sentimentos…
GI - São romances para mulheres?
JM - Não, pelo contrário. Mas descreve as mulheres, os seus sentimentos mais íntimos, fala de temas como a masturbação feminina, a menstruação, o aborto… acho que os homens tinham muito a aprender em ler estes livros. Eu diria que são romances que deveriam ser lidos por casais, pois são pontos de partida para discussões interessantes a dois… Tenho relatos muito interessantes de casais.
GI - Fala com os seus leitores?
JM - Muitas vezes. Hoje as novas tecnologias aproximam-nos. Mas eu gosto de ir a tertúlias, encontros, falar com as pessoas cara-a-cara, ouvir reações, histórias… Por exemplo, jantei em Braga com doze casais que tinham lido o Diário dos Infiéis, para discutir os temas do livro, achei fantástico…. Outras vezes são encontros mais informais. Fiz muitas amizades com estas conversas.
GI - Tem uma escrita poética, que vai contra a tendência de uma literatura mais limpa, mais jornalística…
JM - É um estilo pessoal, mais trabalhado, um estilo de que nem todos gostam, mas ao qual, creio que ninguém fica indiferente. Misturo um conceito poético na forma cuidada como escrevo, com um travo amargo dos temas que abordo. Não escrevo romances cor-de-rosa, pelo contrário, falo de assuntos tabu, como a falta de desejo, a indiferença, a doença, a morte... O crítico Miguel Real diz que sou um Camilo Castelo-Branco dos novos tempos, pela escrita e pelas temáticas…
GI - Qual a importância de receber o Prémio Literário Vergílio Ferreira?
JM - Foi um prémio a que concorri sob pseudónimo, entre dezenas de obras de Portugal e Brasil. Foi uma boa surpresa, pois todos gostamos de ver reconhecido o nosso trabalho. Sentir que estamos a fazer um trabalho a que as pessoas não ficam indiferentes, ajuda-nos a superar as muitas noites de solidão que passamos a escrever, roubando tempo a outros afazeres e às pessoas que nos são queridas…
GI - Acredita na Inspiração?
JM - A literatura é a superação de dificuldades. O que quero dizer? Como o vou dizer? Creio que a inspiração vem do nosso empenho em resolver os problemas e os desafios que o romance nos coloca… Como dizia Picasso, é importante que, quando a inspiração chegue nos apanhe a trabalhar, caso contrário seria um desperdício…
GI - Qual a próxima obra?
JM - Costureira de Sonhos, um conto ilustrado, em que revisito a minha infância e a relação com a minha mãe.