INICIATIVA DINAMIZADA PELA JUNTA DE FREGUESIA
O tornado recordado por quem o viveu, em 1954
A Junta de Freguesia de Castelo Branco, no âmbito das comemorações do 60º aniversário do tornado que arrasou a cidade a 6 de novembro de 1954, organizou, quinta-feira, uma conferência subordinada ao tema Memórias & Explicações, que teve como oradores Manuel Costa Alves, Mário Piçarra Pires e António Arnel Afonso. Uma iniciativa que contou ainda com a inauguração da exposição Fotos, recortes de Imprensa & textos, documentos, que está patente na Casa do Arco do Bispo.
Na abertura da conferência, o presidente da Junta, Jorge Neves, realçou que “há 60 anos, foi um dos dias mais negros da cidade” e acrescentou que “as datas mais difíceis também não as devemos esquecer”, até para “recordar as pessoas que passaram por este flagelo”.
Uma opinião que é também sustentada pelo vice-presidente da Câmara, Arnaldo Brás, ao afirmar que “este é uma data marcante por um mau momento, mas a vida é feita de bons e maus momentos, pelo que estas datas devem ser referenciadas, até para que a memória se preserve. Arnaldo Brás acrescentou ainda que o tornado foi “um acontecimento de grande brutalidade, com mortes e com grande devastação de parte da cidade”.
As recordações
de um dia terrível
Após a apresentação de várias fotos alusivas ao tornado, apoiadas pelo narrar dos acontecimentos por alguém, não identificado, do que aconteceu nesse dia, Arnel Afonso começou por recordar que “foi um sábado e tinha acabado de sair das aulas. A primeira imagem que tive, foi o refeitório do Quartel de Cavalaria todo no chão”, para acrescentar que “os militares tinham acabado a refeição 10 minutos antes, caso contrário tinha havido um grande número de mortos”. Arnel Afonso recorda também que cidade “esteve três dias sem luz bem comunicações”, acrescentando que “dos 35 segundos que durou o tornado, resultaram cinco mortos, quatro no próprio dia e um posteriormente, bem como 150 feridos, além de prejuízos de cerca de 40 mil contos, sendo que o Governo atribui um subsídio de seis mil contos à cidade, a 24 de novembro”.
Mário Piçarra recorda que na altura tinha 11 anos e “estava como interno no Instituto de Santo António (ISA), frequentando as aulas no Liceu. Quando vinha das aulas, na Avenida de Nuno Álvares, ao chegar perto da Câmara, ouvi um barulho, vi os ramos das árvores a voar, o guarda-chuva desapareceu e foi projetado para onde agora se localiza o Centro Médico”, realçando que “ao cair, parti a perna, ao bater na pedra que circundava uma das árvores”.
Acrescenta que depois “ouvi ambulâncias, que quase não conseguiam andar, devido às detritos espalhados por todo o lado e levantei-me, para ir para o Instituto, que ficava na Rua Postiguinho de Valadares”. Apesar de ter a perna partida, ainda conseguiu chegar até às traseiras do antigo Mercado, ou seja, às traseiras do atual Tribunal, onde já vinham alguns colegas do ISA, que me levaram para lá e só mais tarde é que fui para o hospital”.
As explicações
do fenómeno
As memórias do dia 6 de novembro de 1954 dominaram também a intervenção de Costa Alves, ao relembrar o que viveu no dia do tornado, tal como já o tinha feito à Gazeta no ano passado, quando se cumpriram os 59 anos da tragédia
Costa Alves, nessa entrevista, recorda que na altura tinha 10 anos, frequentava o 1º ano do Liceu Nuno Álvares e o dia 6 de novembro de 1954 ficou-lhe também na memória, porque nesse dia era a primeira vez que ia para a Mocidade Portuguesa.
Ao final da manhã desse sábado, estava em casa, na Rua Prior de Vasconcelos, junto aos Três Globos, com a mãe e relembra que esta abriu a porta para ir ao quintal, mas assim que o fez “deu um grito”.
A aflição da mãe fez com que Costa Alves fosse a correr, para ver o que tinha acontecido e afirma que com a porta aberta a única coisa que viu foi “uma massa escura no céu”.
Depois “ouvi um estrondo, que eram as telhas a cair na rua e no sótão”, pois o telhado da casa pura e simplesmente foi arrancado.
Costa Alves refere que, na ocasião, a “minha mãe ficou convencida que tinha sido um raio que tinha atingido a casa” e, por isso, “mandou-me ir a casa de uns tios, que moravam na Rua 5 de Outubro, pedir ajuda”, referindo que “mal sabia ela, e eu, que não tinha sido apenas a nossa casa que tinha sido afetada”. Algo que descobriu mal saiu de casa, porque “mal abri a porta vi um senhor de idade, encostado a uma parede, com as mãos ensanguentadas, pelos ferimentos provocados pelas varetas do guarda-chuva, que se tinham enrolado, devido à força do vento”. E acrescenta que, certamente, o senhor “não sofreu mais ferimentos, porque com certeza foi protegido pela parede onde estava encostado”.
Costa Alves recorda igualmente que o pai “trabalha em frente à Sé e, quando saiu, às 13 horas, não se apercebeu de nada. Só quando chegou em frente ao Banco de Portugal é que começou a ver a desgraça que tinha havido na cidade” e acrescenta que, então, “começou a correr, porque a minha irmã estava no Liceu” e a preocupação era natural.
Costa Alves relembra também que “o tornado coincidiu com a hora de saída do Liceu e dos empregos, passou na zona central da cidade” e, daí, que tenha provocado “cinco mortos e mais de 200 feridos”, o que, realça, faz com que este tornado, “continue a ser o de referência, em Portugal, em termos de mortes e feridos”.
Tudo, para adiantar que “não tivemos nenhum aparelho para medir, porque no Liceu havia uma estação climatológica do então Serviço Meteorológico Nacional, mas, como estava na rua, desapareceu e, daí, não haver nenhum registo nem de velocidade do vento, nem de temperatura, nem outros”.
Ou melhor, há um único registo, porque o “senhor José Carrondo, que era o responsável pela estação, tinha dentro do Liceu o barómetro registador da pressão atmosférica, no qual ficou registado um salto de 23 milibares”. Ou seja, o que ficou registado foi um V, em que o vértice equivale à passagem do tornado.
Com base nestes elementos, Costa Alves avança que o tornado de 1954, “pelos efeitos, terá sido um F2, com ventos até 252 quilómetros por hora, ou na transição de F2 para F3, que vai para mais de 300 quilómetros por hora”
Avança, por outro lado, que o tornado “veio de sudoeste, da zona de Sarnadas, e dissipou a cerca de cinco quilómetros a nordeste da cidade, na zona do Lance Grande”, apresentando “um percurso de 20 a 30 quilómetros e um diâmetro de ação de 200 e tal metros”.
No que respeita à cidade propriamente dita, “bateu desde a base da encosta do Castelo até ao Bairro da Horta D’Alva, apanhando a Avenida de Nuno Álvares, a Devesa e a Avenida General Humberto Delgado”.