Valter Lemos
UMA REFORMA DE FUNDO…
A educação parece estar arredada da campanha eleitoral e até das preocupações, não só dos políticos, como dos cidadãos em geral. Mesmo as discussões sobre o tempo de serviço dos professores não se referem a preocupações substantivas sobre a carreira dos mesmos (que está na origem desses problemas) nem sequer sobre as condições de exercício da profissão docente, que sofreram significativas alterações na última dezena de anos, sem aparente preocupação de ninguém, a não ser dos próprios que têm que interagir com elas diariamente.
É pena, no entanto, que ninguém pareça ligar nenhuma às questões da educação. Porque é o tempo para algumas decisões muito importantes para a sociedade portuguesa. A mais importante dessas questões diz respeito à educação da primeira infância. Como se sabe a atual lei de bases do sistema educativo foi aprovada em 1986. Depois disso, no entanto, já sofreu várias alterações como as relativas ao sistema e graus do ensino superior (em 1997 e 2005) e à duração da escolaridade obrigatória (em 2009).
Mas, a lei instituiu, em 1986, que a educação começa aos 3 anos de idade e tal disposição mantém-se. Apesar dos progressos de universalização da educação pré-escolar nestas primeiras duas décadas do século XXI, a verdade é que as crianças até aos três anos de idade estão fora do sistema educativo.
As instituições que asseguram a proteção e educação dessas crianças - as creches - encontram-se enquadradas no sistema de segurança social e não no sistema educativo. Mas, esse não é o verdadeiro problema, pois que existem diversas instituições educativas enquadradas noutros sistemas públicos. O problema principal é a falta de articulação entre objetivos educativos e objetivos tradicionalmente designados de proteção.
Esta omissão é a verdadeiramente responsável pela inexis-tência de uma rede nacional de creches, criando uma situação social das mais radicalmente injustas que existem em Portugal. Desde logo não há rede pública, porque o Estado (neste caso através da segurança social) não considera ser da sua responsabilidade assegurar nem a universalidade nem a igualdade de oportunidades de acesso. Assim, a proteção e educação das crianças dessa idade é assegurada por uma rede privada, que engloba uma rede especifica do setor social das IPSS. Causando uma brutal desigualdade de acesso. Desde logo do ponto de vista económico, porque só acede quem tem dinheiro para pagar, mas, também, do ponto de vista geográfico, pois a cobertura privada não obedece a um plano nacional de necessidades.
Assistimos, pois, a uma enorme injustiça social e escandalosa hipocrisia política, quando vemos que uma família paga mil euros anuais para o filho frequentar o ensino superior e paga dois ou três mil para frequentar a creche, sendo que, no intervalo, é gratuito.
Mas, a questão política não é só relativa à injustiça social é também muito importante para o futuro coletivo. Como sabemos, o maior problema das sociedades desenvolvidas é o do envelhecimento da população provocado, entre outros fatores, pelo baixo índice de natalidade. Portugal é um dos países onde o problema cresce a maior velocidade, porque temos um dos mais baixos índices de natalidade do mundo! Precisamos, pois, com urgência e intensidade de políticas públicas de apoio à natalidade. Como a experiência de outros países tem mostrado, uma das mais eficazes é a existência de uma rede de creches acessíveis e eficientes, que é um fator de muito peso na decisão sobre paternidade e maternidade dos jovens casais. Fácil é de ver que com salários médios baixos e custos de habitação elevados, a decisão de ter filhos está muito dificultada com a hipótese de ter de assegurar custos de creche, por vezes iguais ou superiores aos da própria habitação.
A política relativa a creches, que tem sido prosseguida nas últimas dezenas de anos, parece querer objetivamente desincentivar a natalidade e não o contrário, apesar das declarações de intenção de muitos responsáveis ao longo do tempo.
Por fim: a educação nas primeiras idades é o melhor investimento no futuro. E já não falamos somente de previsões. Falamos de estudos cientificamente seguros, como os de James Heckman que recebeu, no ano 2000, o Prémio Nobel da Economia.
Heckman e muitos outros que deram continuidade aos seus estudos, mostrou de forma cientificamente segura que o investimento na educação da primeira infância é o mais rentável de todos os investimentos educativos. O retorno é de 7 a 10 euros por cada euro investido, o que significa o dobro do retorno do ensino básico e secundário e o triplo do ensino superior, além do retorno social com a diminuição da criminalidade, dos custos em saúde, etc.
Nas palavras do próprio Heckman, “a maior taxa de retorno do desenvolvimento na primeira infância ocorre quando se investe o mais cedo possível, desde o nascimento até os cinco anos de idade, em famílias carentes. Começar na idade de três ou quatro anos é um pouco tarde demais…”
E, para aqueles que acham que as crianças muito pequenas não aprendem, ou aprendem pouco, convirá dizer que, também na idade média se achava que só os adultos eram capazes de aprender e até ao século XIX se pensava que só a partir dos 7/8 anos é que o conseguiam fazer. Há sempre os que acham que as suas crenças e intuições são mais verdadeiras do que a ciência, mas, esses são os que atrasam o mundo…
Por tudo isto era bem melhor que em tempo de campanha eleitoral, os partidos políticos dessem mais importância à questão educativa e apresentassem propostas para garantir a proteção e educação das crianças na primeira infância e, consequentemente, apoiar a natalidade, combater as desigualdades sociais e promover a melhoria do futuro.
Isto sim, é aquilo a que os políticos e os comentadores chamam “uma reforma de fundo”.