Carlos Semedo
O Mundo num presépio
Inaugurou recentemente, no Museu do Canteiro, em Alcains, e em Castelo Branco, no Museu Francisco Tavares Proença Júnior, uma exposição notável de Presépios pertencentes à colecção Basanta-Martín. No dia da inauguração, Antonio Basanta-Martín, um dos proprietários dos presépios expostos, deliciou os presentes com visitas guiadas que mais pareciam declarações de amor ao conhecimento e à possibilidade de cada presépio se multiplicar em camadas de informação antropológica e social.
Para além da abrangência territorial, em termos de proveniência, cobrindo os cinco continentes, a diversidade de abordagens artísticas e estilísticas é tremenda, proporcionando ao visitante uma visita estimulante. Antonio Basanta-Martín falou, por exemplo, no significado dos dois dedos de Jesus juntos, a união do divino e humano e a referência à Santíssima Trindade, através dos outros três dedos. Desvendou, também, o número três como número simbolicamente mágico: Jesus, Maria e José. Nada num presépio é fruto do acaso, não se cansou de repetir o nosso guia. E foi assim, que ainda em Alcains, se referiu à ligação entre a humildade e a presença obrigatória do burro, bem como a do boi, simbolizando a obediência.
No caso do monumental presépio Napolitano, um dos detalhes assombrosos é a presença dos anjos. Sobre a importância dos anjos e arcanjos, não resisto a transcrever um comentário do proprietário deste magnifico exemplar de presépio italiano: “Não há presépio que se preze em que a figura dos anjos não esteja presente. Naqueles que reúnem a totalidade das cenas em torno da chegada de Jesus, o primeiro anjo que aparece é São Gabriel, encarregado de anunciar a Maria a Boa Nova. Embora São Gabriel seja mais do que um anjo: de facto, é um arcanjo, o que quer dizer que pertence à categoria dos anjos principais, que partilha, entre outros sete, com São Miguel, guardião do Paraíso, e com São Rafael, cuidador e curador dos doentes. O segundo anjo que aparece nos presépios é o encarregado de fazer o Anúncio aos Pastores. E, por último, devemos referir-nos aos anjos que assistem ao nascimento de Jesus. São de três tipos: anjos com a forma de crianças, mulheres ou homens, alados e vestidos, um dos quais leva nas mãos uma espécie de cartaz ou pancarta – chamados filactérias – onde pode ler-se Gloria in excelsis Deo (Glória a Deus nas alturas); estes anjos podem ser acompanhados por outros que assistem reverentemente à cena, tocam instrumentos, cantam para adormecer o Menino, embalam-no nos braços ou, simplesmente, o adoram. E, nas partes laterais do portal, entre o telhado e o céu, é frequente a presença de querubins, anjos nus ou seminus, com corpo de criança – quase de bebé – e dos quais por vezes apenas aparecem a cabeça, o começo dos ombros e as asas. A razão de ser destes anjos está no seu próprio nome: querubim é uma palavra que vem do hebraico e que significa «os que estão mais próximos de Deus». E têm uma característica muito especial: somente podem ser vistos pelos olhos de pessoas de bom coração.”
E se Reis Magos não fossem reis e muito menos magos? E o que me dizem às representações que mostram quatro reis em vez dos habituais três? Estas e muitas outras perguntas foram sendo desvendadas e iluminadas ao longo de mais de duas horas de visita guiada as quais mostraram o potencial do presépio como contador de estórias e da História. Independentemente das convicções de cada um, frisou Antonio Basanta-Martín. E esta é, também, uma das grandes lições desta exposição: a possibilidade de fruição e compreensão da mesma não é um exclusivo de cristãos católicos. Não percam a oportunidade de a visitar, em Alcains e Castelo Branco, até 10 de Janeiro.