18 de maio de 2016

Maria de Lurdes Gouveia Barata
VERDADES, MENTIRAS E INTENÇÕES

A verdade é capaz de mudar o mundo? É a mentira que consegue mudar o mundo? O tecido social teve sempre malhas de mentiras que entram pelos interstícios dos desejos, das ambições ou da má intenção. Não se diz que aquele que quer reinar divide? A intriga imortalizou-se ao longo dos séculos com a cobra da mentira que rasteja em territórios de luta pelo poder. Entra a má intenção para forjar as falsas verdades.
Lembra-me a publicidade da Benetton, que explora temas como a fome, a guerra, o racismo, a doença, com a aparente boa intenção de despertar para certos problemas, de levar a debater, dizem. Há uns anos, lembro-me da minha discussão com alguns amigos sobre uma imagem publicitária da Benetton, que patenteava um desastre humanitário - «Que mérito! Chamar a tenção para as injustiças sociais!». Eu, em oposição, sempre lá encontrei a manha escondida: «Apela a emoções, explora o que há de melhor no coração humano e para quê? Para entranhar a marca e conseguir milhões de lucros, usando os desastres humanitários em proveito próprio». Em mim, e provavelmente noutros receptores (se calhar em menor número do que aqueles que aplaudem), essa publicidade Benetton teve o efeito boomerang, provocando a reacção contrária à esperada: repúdio da marca, não a consumindo.
É evidente que assumir uma verdade como indiscutível pode trazer perigos. Já dizia Nietzsche que «as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras». E basta atentarmos nos fundamentalismos que arrastam os homens para a guerra, para a tortura, para a fome e até para a morte. Destruição, numa palavra.
Falei de intenção, apregoada frequentemente de boa intenção, e quantas vezes aleivosamente (não diz o povo de boas intenções está o inferno cheio?), que desculpabiliza comportamentos perante os outros, comportamentos que usam a mentira para manipular os mais desacautelados ou os menos informados – e desfilam então em cortejo (para dar um de muitos exemplos) os lesados mais directamente do BES, porque todos os portugueses são lesados, habituados que estão a pagar as dívidas dos poderosos do capital.
Isto de ser usado trouxe-me à memória um caso pessoal: há uns anos, uma foto minha, tirada em contexto de formação de professores no IPCB, com a minha autorização para publicar num determinado boletim, apareceu uns meses depois num jornal nacional, ocupando largo espaço, para ilustrar um artigo ou uma notícia sobre a incerteza da colocação de professores do ensino básico e secundário, a mobilidade, o desemprego que os esperava. Soube do facto por telefonemas de amigos e nem queria acreditar no que estava a ver. É evidente que reclamei, ameacei com a ilegalidade do uso abusivo da minha imagem e, depois das desculpas apresentadas, foi-me garantida a não repetição e a promessa de eliminarem a foto dos arquivos. Não foi caso de má intenção ou de mentira pensada. Sem dúvida que é irresponsabilidade e talvez incompetência (livrai-nos, Senhor, dos incompetentes!) de quem cedeu a foto sem dar explicações.
Manipular é o que se passa agora com o protesto dos colégios privados, que lutam por garantir a continuação dos subsídios do Estado. Colégios privados, sublinho. São privados, mas querem o dinheiro dos contribuintes, que deve ser orientado para o bem público.
Nada tenho contra quem quer os filhos em colégios particulares, gostos não se discutem, conquanto, por vezes, se devam interrogar as intenções. Digo isto, porque já ouvi quem dissesse não querer misturas. Fico por aqui, não quero aprofundar. Todavia, há pais que, tendo o poder de pagar, encontram conveniências várias em matricular os filhos na escola privada. Há outros que teriam essas conveniências, mas não podem…
Falei em manipular: andam os donos dos colégios arrastando alunos, pais e docentes numa cólera que transporta interesses convenientes para as suas vidas. Como pode haver justiça no gasto de dinheiro público em prol dum interesse particular? Admite-se que um colégio, que se enquadre numa zona em que a escola pública não sirva suficientemente, usufrua dum acordo de cooperação e seja subsidiado. Não se admite que colégios fundados por particulares com interesse de lucros particulares usufruam do dinheiro dos contribuintes.
Argumenta-se, no a propósito da situação instalada, que vai haver gente sem emprego, professores sem emprego. Será sempre motivo de apreensão. Mas não é motivo de apreensão o número de professores que perderam o emprego ou não o conseguem nos concursos para o ensino público? São até em maior número. Há escolas públicas com falta de alunos. Há ainda outro contra-argumento: é inacreditável que os colégios privados recebam o dinheiro dos contribuintes (além do que cobram mensalmente) e os professores colocados nesses colégios são escolhidos a bel-prazer dos seus donos. Então, se são subsidiados pelo Estado, porque não recebem os professores dos concursos públicos? É como aquele caso (tenho a mania de referir o que conheço…), passado há uns anos, de um professor de Português, que, sabendo de uma vaga da sua área num determinado colégio, se apresentou como candidato, mas o lugar já tinha sido preenchido por um advogado amigo do director. Serve para deduzir o poder arbitrário que se tem confirmado com outros exemplos. Não quero com isto dizer que não haja professores competentes no ensino privado. Há competentes e incompetentes, tal como no ensino público.
Na época negra de oferta e de procura desesperada que hoje se verifica, há também o abuso face a exigências para todo serviço que se constatam na exploração de professores do ensino privado. Já há um tempo passou documentário demonstrativo na televisão… Ainda assim, isso é problema do privado, não é verdade? O dos dinheiros públicos já tem a ver com todos os cidadãos.
A verdade está na defesa do interesse público. A mentira está na equiparação do interesse público ao interesse privado. E digladiam-se as intenções…

18/05/2016
 

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