Maria de Lurdes Gouveia Barata
Os verdes... e o recibo verde
VERDE é uma cor que associamos a coisas boas e que ao longo do tempo assumiu uma significação ligada a saúde, renovação, esperança, liberdade. A Natureza verde é uma Natureza viva, a renovar-se ou em plenitude. Lembro os verdes de certos quadros de Van Gogh que pacificam o olhar e a alma (às vezes também inquietam…). Os partidos Verdes trazem logo na palavra uma esperança de luta pela preservação do planeta que habitamos. Verde, porque ligado à esperança, ´cor vestida pelas lutas contra opressões, porque tem a ver com inícios e despertar de Primavera. A Primavera é verde e o verde vai atrair uma explosão de garridice de cores variegadas. A bandeira do esperanto é um dos símbolos do movimento associado à divulgação e uso desta língua. Foi adoptada em 1905, durante o primeiro Congresso Universal de Esperanto, na cidade francesa Boulogne-sur-Mer. Tem cor verde, que simboliza esperança, um quadrado branco no canto superior esquerdo, que simboliza paz e neutralidade, onde se insere uma estrela verde de cinco pontas, representando os cinco continentes, numa intenção de dimensionar a comunicação fraterna e sem fronteira entre os homens. O verde acalma, até é aconselhável um verde claro em paredes de hospitais e clínicas. A Via Verde não permite demoras, o semáforo verde dá ordem de avanço sem perigo. É o dar sinal verde para, dando autorização, dando liberdade para, é luz verde. A rentrée é verde, porque traz vida nova mesmo dentro da continuidade.
Todavia, há uma outra face do verde registada nas falas do dia a dia como o tremer como varas verdes, as frágeis hastes que não resistem bem aos ventos fortes, que podem ser os do medo, os da angústia ou os da doença. A idade verde é a da juventude, de conotação positiva, mas estar ainda muito verde leva ao estar pouco certo das coisas ou sabê-las de modo superficial. Nunca percebi muito bem porque se associa o verde a inveja, ficar verde de inveja, talvez pela vontade frustrada e as limitações do invejoso perante alguém. Li, no entanto, que a frase “monstro de olhos esverdeados” (green-eyed monster) se refere a um indivíduo que é motivado pela inveja. A expressão é retirada de Otelo de Shakespeare. Não esqueçamos, porém, que a simbologia das cores varia de povo para povo e até de cada homem para cada homem.
Já que falei de variação, há um verde que não varia: é o do recibo verde. O seu significado aproxima-se de alguns aspectos positivos da cor verde: permite acesso ao trabalho como o semáforo permite acesso ao avanço. Trabalhar é avanço que dá alegria, sobretudo nos tempos que correm… mas… (e lá vamos à adversativa) pode tornar-se no verde da angústia e do medo. Esse tal recibo dá estatuto de trabalhador independente, trabalhador por conta própria (parece coisa importante, não é?) e vem o sem vínculo e vem também a parte anedótica (mais para o humor negro…).
Assim, imagine-se um jovem a trabalhar a recibo verde, apenas com algumas horas de trabalho semanal, auferindo parco salário mensal. À primeira vista melhor que nada. Mas vou ilustrar com um exemplo: há três ou quatro anos, um formador (não interessa especificar detalhes) tinha a seu cargo um curso de formação que, se a memória não me engana, lhe dava duzentos e tal euros por mês. Porém, todos os meses tinha de descontar, por estar a recibo verde, 150€ para a Segurança Social. No mês de Agosto, os formandos tiveram dispensa de dias de férias e esse formador ganhou apenas cerca de 60 ou 70€. Mas lá foi pagar os 150€ à Segurança Social! Há inúmeros casos. Eu pensava (mas não foi a pensar que morreu um burro? Cada vez me tenho em menos conta…), eu pensava, dizia, que o pagamento à Segurança Social seria sempre na proporção do que se ganhava! Ilusão ingénua! O Estado tem gente a pagar- -lhe para trabalhar! Sei doutros casos, em que o desconto para a Segurança Social e o desconto para o IRS deixam a cómoda quantia de 10€ limpinhos! E porque não aufere acima dos 10000€ anuais, ou teria de pagar IVA.
Por conseguinte, perguntar-se-á: mas porque há gente a fazer isto? Porque sempre fica conhecido no local onde trabalha e pode ser que aumente o número de horas de trabalho e, consequentemente, o ordenado. Se o trabalhador independente e sem vínculo estiver ligado a outra empresa ou instituição, contratado, já não tem de pagar os tais 150€, desconta nessa primeira via de trabalho. Parece que há um pouco de desconto nos 150€ actualmente, mas insignificante. E os trabalhadores que menos ganham a recibo verde são os mais castigados! No entanto, sempre andam distraídos, não é?
Desculpem os que me lêem: falar de verde e deixar para o fim o pior da cor…