Fernando Raposo
Ensino Superior: desde 2007, a adiar o inadiável
Passados dez anos sobre a publicação e consequente entrada em vigor do Regime jurídico das instituições de ensino superior (Lei n.º62/2007, de 10 de Setembro), julgamos oportuna uma avaliação sobre as eventuais consequências que ela teve sobre o sistema de ensino superior, sobretudo ao nível do reordenamento e racionalização da oferta. A cooperação e o estabelecimento de consórcios entre as instituições, previstas na lei, outro propósito não tinham senão atender àquele desiderato. Os consórcios outro objectivo não tinham que não fosse o da coordenação da oferta formativa e dos recursos humanos e materiais (n.º1 do art.º 17º).
Recorde-se que esta necessidade de reordenamento e racionalização da oferta do ensino superior decorre do facto de o número de vagas disponibilizado pelo sector público ter aumentado consideravelmente, sobretudo na 1ª década deste século. Mas esse crescimento não foi igual em todo o território, tendo sido muito mais acentuado nos grandes centros urbanos do litoral, o que teve como consequência a redução do número de candidatos nas instituições do interior do país. Já em artigo neste semanário (Reordenamento da Rede do Ensino Superior - Fusão de Instituições, um desfecho inevitável , 09-05-2011) e face à forte concentração da oferta nas instituições do litoral e à redução da procura nas instituições do interior do país, insistimos na necessidade de se adoptar uma “politica de redistribuição harmoniosa e equilibrada de cursos e vagas, capaz de promover a mobilidade interna dos estudantes e assegurar o desenvolvimento económico e social de todo o território nacional”.
Com a publicação do Regime Jurídico do Ensino Superior, as instituições (universidades e politécnicos) dispõem desde então dos instrumentos necessários ao reordenamento da rede de ensino.
Apesar de terem sido definidas as orientações sobre a constituição dos consórcios e os objectivos que devem prosseguir (coordenação da oferta formativa; coordenação de actividades de investigação e prestação de serviços; coordenação de recursos humanos e materiais; “a reafectação de pessoal e redistribuição de recursos orçamentais e articulação a nível regional das instituições que integram o consórcio), nada foi feito, o que parece denotar alguma incapacidade da parte dos responsáveis das instituições.
Esta incapacidade ou, talvez, impotência, decorre, em nosso entender, da sua “frágil legitimação”. Os responsáveis das instituições (reitores e presidentes) são eleitos por um Conselho Geral, composto por 15 a 35 membros, em que “mais de metade da totalidade dos membros” são representantes dos professores e investigadores”, os estudantes representam no mínimo 15% e as “personalidades externas de reconhecido mérito” (cooptadas por aqueles), representam pelo menos 30%. Refira-se ainda que o Conselho Geral pode ainda, se tal for previsto nos estatutos, incluir representantes do pessoal não docente.
Com o método de cooptação, não se poderá dizer que as personalidades externas sejam representantes, por exemplo, dos sectores profissionais, sociais ou outros relacionados com as áreas de formação das instituições, uma vez que elas não são indicadas pelas organizações que eventualmente representem, mas “escolhidas” pelos representantes dos professores e alunos, pelo que a suas opções e liberdade de voto são condicionadas por aqueles que as cooptaram e elegeram.
Ora, é este carácter restritivo do universo eleitoral e o seu fechamento à comunidade externa que leva a que os responsáveis das instituições fiquem reféns da vontade dos professores, investigadores, alunos e funcionários dessas mesmas instituições. Talvez seja esta vicissitude, pensamos nós, que poderá estar na origem do imobilismo e da incapacidade das instituições se auto-reformarem.
Na década que agora decorre, com a crise financeira que se abateu sobre o país, a vida das instituições de ensino superior agravou-se ainda mais, pelo que, ao não se tomarem as decisões mais consentâneas com a realidade do país, tendo em conta a escassez de recursos e as restrições orçamentais, receamos que o desfecho da reorganização do sistema de ensino superior possa passar pela fusão de instituições. Ou pior: que seja a tutela a impor a sua visão do reordenamento, sem atender às identidades e especificidades das instituições.
Daí que não se justifique adiar o inadiável.