Valter Lemos
MARCELO QUER QUE GOSTEM DELE. E CREIO QUE FAZ BEM
Desde a sua tomada de posse como Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa aparece todos os dias nos telejornais opinando sobre os assuntos da governação, a Europa, os refugiados e todas as matérias de atualidade. A postura surpreende todos os que estavam habituados a uma pose esfíngica do presidente, como a de Cavaco Silva, ou de sobriedade politica e de costumes como a de Jorge Sampaio. Não surpreende no entanto os que se habituaram a ver Marcelo na postura de comentador e criador de factos políticos.
A questão que se coloca é se este frenesim mediático pode durar todo o mandato ou, se durando, não vai cansar os portugueses e desvalorizar as intervenções do presidente. Depois da frieza, distância e timidez de Cavaco Silva, o calor, proximidade e abertura popular de Marcelo são bem recebidos e apreciados pela maioria dos portugueses, mas a dúvida sobre a evolução dessa apreciação começa a instalar-se. Quando o presidente não tem nada de substantivo, avaliativo, apreciativo, orientador ou de aconselhamento para dizer, será que deve falar? Se falar sem que das suas intervenções os portugueses retirem mais do que da intervenção de qualquer outro político, será que os cidadãos vão continuar a ouvi-lo com atenção nas intervenções subsequentes? Se aparecer todos os dias nos écrans e não disser nada de especialmente relevante, não irão os portugueses deixar de prestar atenção às suas intervenções?
A função do Presidente da República no sistema constitucional português foi concebida como muito relevante, mas pouco interventiva. O sistema tem um pendor claramente parlamentar no respeitante aos assuntos da governação. Do ponto de vista da ação política o protagonista do sistema é o governo e os partidos políticos e o controle e fiscalização da ação política reside no parlamento (e nos tempos mais atuais também, de facto, muito na comunicação social, que, nas democracias liberais, adquiriu poderes muito para além dos que tradicionalmente tinha no século XX, ainda que sem um verdadeiro enquadramento jurídico-constitucional). Ao presidente da República fica reservado o papel de juiz do sistema, julgando da forma como os atores políticos desempenham formalmente os seus papéis, o que remete a sua intervenção formal para momentos específicos importantes mas mais raros e não para o dia-a-dia da ação política
É evidente que, para além deste papel o Presidente incorpora um conjunto de representações coletivas como o país, a nação, a soberania e a república entre outros. E é neste papel que a ação dos vários presidentes se distingue ao longo da nossa história democrática. Fácil é distinguir a ação de Ramalho Eanes, de Mário Soares, de Jorge Sampaio e de Cavaco Silva neste campo. Marcelo parece querer marcar o seu estilo com uma ação de maior proximidade ao povo do que os seus antecessores. Quer visitar todo o país, quer falar com os cidadãos, quer, no fundo, que os portugueses o vejam como o seu “alter ego” e com isso estabelecer uma relação de identidade e proximidade. Quando se fala de uma presidência de afetos é dessa identidade e dessa proximidade que se trata.
Marcelo quer que gostem dele. E creio que faz bem. O povo gostar do seu presidente é um passo muito importante para ajudar a distender o clima social e para melhorar a confiança na ação dos órgãos políticos e na relação entre eleitos e eleitores.
Mas, como a história nos mostra, o mais difícil em política não é atingir níveis elevados de popularidade e de confiança, mas, sim, mantê-los. E a vertigem sempre crescente do tempo da informação, da comunicação e da interação é cada vez mais contraditória com o tempo e os mandatos políticos. E o mandato dos presidentes é longo. O mais longo de todos os órgãos democráticos.
Por outro lado a um presidente não basta conservar a popularidade. É preciso garantir a confiança. Um presidente não é somente umapopstar. Naturalmente que também é e tem que saber sê-lo,mas tem uma dimensão de confiança que ultrapassa muito essa dimensão. E é a combinação dessas duas dimensões que é exigida às lideranças atuais como mostram tão bem o presidente Obama ou o papa Francisco.
Creio que Marcelo sabe isso e quer cumprir esse desiderato, mas a sua natureza irrequieta e inconstante pode traí-lo. Para já é preciso deixá-lo voar. Depois veremos se sabe poisar e voltar a levantar voo nos momentos certos.