18 de outubro de 2017

Lopes Marcelo
TERRA A MAIS...

Pretendendo voltar a abordar a questão do ordenamento do nosso território não esperava, já em pleno Outono, que coincidisse com com a terrível moldura de nova vaga de incêndios. Ultrapassar a emoção, a triste decepção e a colectiva frustração social, não sendo fácil, é necessário para que consigamos analisar para além das cinzas dos aflitivos dias, de tragédia e de luto, em que vivemos.
Em primeiro lugar, a evolução ao longo das últimas décadas do nosso país conduziu a um novo paradoxo social, económico e cultural de termos terra a mais e pessoas a menos em cerca de dois terços do nosso território e com expressão bem notória na nossa Beira Baixa. Despovoamento e desertificação influenciando-se mútuamente. As nossas aldeias e vilas abandonadas pela população jovem e os terrenos a ficarem incultos, entregues à permanente acção da natureza. Ou seja, terras que não são cultivadas, ficam em sucessivo défice de água. Não só porque chove menos, mas também, porque na terra que não é agricultada se instala o que se designa por inversão florística: ano após ano, desenvolvem-se espontaneamente as ervas e os matos que vão absorvendo a pouca água e esgotando a fertilidade do solo que seca e se aperta, ficando como que vidrado, sem capacidade de absorver a água que não é retida e escorre. Em poucos anos, o fundo fertilidade, até dos solos mais ricos, é esgotado e as árvores rodeadas de mato cada vez maior secam em alguns anos. Dia a dia, em todas as estações do ano, a desertificação (progressivo esgotamento hídrico dos solos) vai germinado permanentemente e propagando-se de forma invisível, transformando o que era paisagem de manta viva em cemitério de manta morta e pasto de incêndios recorrentes nos mesmos territórios (aí estão o ciclos dos incêndios repetidos década a década).
Situado o problema na questão estruturante da desertificação, do despovoamento e das rupturas produtivas do território, de origem e amplitude social de médio e longo prazo, não tem sido possível, nem será possível equacionar nem resolver a calamidade dos incêndios com medidas de curto prazo. Nem sequer situando-os apenas na vertente florestal, mas antes ,inserida como uma das vertentes do mundo rural e da agricultura como um todo a ser repensado e valorizado no ordenamento do território. E muito menos a solução está no agigantar da já designada monstruosa indústria dos fogos.
Abordando hoje as questões estruturais, sobressai o valor social e simbólico atribuído à posse da terra. De facto, os proprietários das terras por razões da história familiar, pelo valor simbólico e afectivo e até de estatuto social e de reserva económica, assumem um estatuto de posse como um valor quase sagrado absoluto e inquestionável. Podem não cultivar nem limpar os terrenos. Podem nem sequer visitá-los ou, até, já mal saberem onde ficam e nem conhecerem a sua dimensão e as respectivas extremas. Mas são intocáveis. É uma questão cultural e de mentalidade. Sem qualquer valor ou função produtiva e social,os terrenos incultos fazem parte da reserva afectiva e simbólica através de herança, património mítico e referêncial evocativo dos seus familiares passados. Contudo, estamos perante um dos mais delicados paradoxos do nosso tempo. Sem ser necessário colocar em causa o direito à propriedade privada, é necessário e urgente confrontar os proprietários com medidas que promovam a efectiva função a social e produtiva dos terrenos, de modo a que não continuem abandonados e incultos, sejam medidas de carácter fiscal, de emparcelamento, de apoio ao arrendamento ou, até, de posse administrativa temporária para realização das intervenções que anulem o perigo social de incêndio. Voltarei ao tema mas, por hoje, termino com uma sugestão que facilitará o juntar das pequenas parcelas dispersas: a isenção ou a redução para o mínimo simbólico do custo das escrituras notariais, para parcelas inferiores por exemplo a dois hectares. Actualmente, esse custo é o mesmo seja qual for a dimensão, o que muitas vezes é superior ao valor da própria terra a transacionar.

18/10/2017
 

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