Fernando Raposo
HAJA PACIÊNCIA!
Já há muito que não havia memória de uma tão grande agitação na 5 de Outubro, como na semana passada. O governo pusera-se a jeito, quer pelas expectativas criadas junto dos professores, quer pelas intervenções desencontradas de alguns dos governantes sobre o descongelamento das carreiras dos professores e do consequente impacto nas contas públicas. Se a posição do governo nem sempre foi clara, a do seu partido foi dúbia, tendo mesmo apresentado, na discussão da especialidade, uma proposta semelhante às dos partidos mais à esquerda. Propostas que, grosso modo, acomodam as reivindicações dos sindicatos.
Depois de sucessivas reuniões, e apesar das posições iniciais irredutíveis, sindicatos e Governo chegaram, aparentemente, a uma solução de consenso. Digo aparentemente, porque só lá para Dezembro, quando forem retomadas as negociações se perceberão melhor os detalhes do acordo.
Não fossem os escândalos financeiros, traduzidos no desvio de fundos, na corrupção e na evasão fiscal com que temos vindo a ser confrontados ao longo dos últimos anos, e que o Estado teve de assumir (BPN, BES, Offshores), e os professores não teriam sido, certamente, tão intransigentes na reivindicação do que lhes foi tirado. Se o Estado tem dinheiro para tapar os buracos que os outros “escavaram”, por que razão não há dinheiro para devolver aos professores e aos funcionários públicos o que lhes pertence e cujo pagamento foi suspenso durante a crise?
A exigência é simples e justa: “Contabilização do tempo congelado e reposição dos vencimentos a que teriam direito caso a carreira não tivesse sido congelada”.
Conscientes do forte impacto nas contas públicas, o consenso imperou entre as partes para que a reversão daqueles direitos se faça, de forma faseada, até 2023.
A este propósito, é curioso que alguns comentadores se tenham insurgido contra o acordo e, por conseguinte, contra o descongelamento da carreira dos professores, quando desconhecem quão difícil e esgotante é a actividade docente. Muitos professores, com mais de 20 anos de serviço, percorrem ainda hoje, diariamente, centenas de quilómetros entre casa e escola. Este tem sido um ritual que se repete todos os anos.
Fossem os comentadores tão desenvoltos e tão impiedosos no julgamento da corrupção, da fuga aos impostos e da apropriação indevida e as contas públicas andariam agora mais direitinhas, o défice já se teria esfumado há muito tempo e a dívida estaria hoje num nível muito mais baixo.
Alguns pretendem fazer crer (e não perdem qualquer oportunidade para “instigar” os trabalhadores do privado contra os do público) que a sustentabilidade das contas públicas depende dos vencimentos dos professores e dos funcionários públicos, mas, para muitos, ela depende antes da reforma do Estado, que todos parecem (ou fingem) desejar, mas que uns poucos empurram com a barriga para a frente.
Importa, pois, que se construam consensos o mais alargados possível, para que, de uma vez por todas, se definam quais as funções que devem ser da exclusiva responsabilidade do Estado e aquelas que devem ser do domínio privado, evitando-se soluções de remedeio, como as célebres parceiras público-privado, nem sempre transparentes e cuja qualidade do serviço é muitas vezes questionada. Depois, repensar as carreiras da função púbica, que sejam estimulantes para os funcionários, mas sustentáveis financeiramente. Se é verdade que os recursos do Estado não são inesgotáveis, não é menos verdade que a qualidade do serviço prestado depende muito da qualidade dos recursos humanos, pelo que estes deverão ser recompensados e reconhecidos socialmente.
A qualidade do Estado dependerá inevitavelmente da qualidade dos serviços prestados aos seus cidadãos, a qual, por sua vez, dependerá fundamentalmente da qualidade dos seus colaboradores.
Esta é uma condição válida para o Estado e também o é para a iniciativa privada, pelo que a tentativa de diabolizar os funcionários públicos relativamente aos funcionários do privado não passa de um disparate.
Haja paciência!