José Dias Pires
O QUE É (E COMO É) A PEDAGOGIA DA CIDADANIA?
Não obstante as dificuldades que todos sentimos, felizmente ainda há hoje algo a que se pode chamar civismo, mas o conteúdo da noção evoluiu sem tomar ainda uma forma precisa.
Os valores e as conceções dos jovens de hoje são, com efeito, partilhados entre uma herança cultural que contestam em parte e novas exigências que esperam ver satisfeitas.
Assim sendo que forma pode tomar a Educação para a Cidadania, no seu enquadramento de formação cívica?
Os jovens são certamente sensíveis à solidariedade, especialmente à que se gera no pequeno grupo. A ideia de que o bom funcionamento da sociedade depende da disciplina de cada um, que todos são responsáveis pelos equipamentos coletivos e que o dinheiro do Estado é o dos contribuintes, não os toca porque entendem que o comportamento individual e a relação com a sociedade global são coisas distintas. Ajudar um cego a atravessar a rua é, para eles, um ato de civismo, mas, para muitos, não votar é-lhes indiferente.
O civismo, como todos os princípios morais, apoia-se em normas abstratas. O respeito pela lei causa, sem dúvida, uma boa consciência, mas é uma satisfação austera, muito diferente do calor dum contacto interpessoal e da impressão gratificante de prestar um serviço a alguém.
Estamos desafiados a confrontarmo-nos com uma modificação da aquisição cultural anterior à entrada no mundo do trabalho, e é na escola que devemos encontrar os sinais destas modificações. Com efeito, é aqui que se pode (e se deve) observar, em primeiro lugar, que, em graus diferentes, todos os jovens sentem ou recusam a dicotomia entre vida de trabalho e vida privada.
Anteriormente, já observámos a rutura entre a escola e a vida. Assim como o jovem trabalhador tende a recusar um certo tipo de condições de trabalho e os objetivos das instituições ou empresas onde trabalham, muitos adolescentes recusam os valores tradicionais da sociedade industrial: a produtividade e a utilidade.
Perante o “para que é que isto serve”, aspiram a outra coisa e vivem segundo outras normas, porque o mais importante para eles são as relações interpessoais. Ora estas relações já não são compatíveis com a competição feroz das sociedades liberais e capitalistas com as quais, cada vez mais, são, de novo, confrontados.
A recusa de um certo tipo de relações hierárquicas nos locais de trabalho traduz-se na escola pelo absentismo, pelo desinteresse por tudo o que sejam posições de responsabilidade, pela recusa da seleção e de tudo o que pareça poder comprometer as boas relações com os outros. Por este motivo, os objetivos até aí prioritários da escola encontram-se novamente postos em causa.
Nas aulas o trabalho perdeu o primeiro lugar e o seu caráter sagrado. Na oposição entre a vida de trabalho e a vida privada, é evidentemente que esta última parecerá ser a mais apta a fornecer a ambiência afetiva procurada.
Muitos alunos atribuem ainda importância aos estudos, não enquanto tais, mais como meio de conseguirem um diploma indispensável à obtenção de um trabalho conforme aos seus gostos.
A escola, mesmo separada das realidades, parece-lhes representar uma preparação indispensável para um futuro profissional que será amanhã a sua vida.
Ora a antecipação do futuro é um dos fatores mais eficazes de integração social e, ela própria, componente essencial do civismo. Uma sociedade que oferece aos seus jovens perspetivas de desemprego, em vez de possibilidades de desabrochar, suscita forçosamente a contestação. A desvalorização dos diplomas é, pois, sob este ponto de vista, inquietante.
Por isso algumas duas das grandes questões que hoje se nos colocam são:
— Como levar uma geração que privilegia as relações interpessoais a compreender que estas devem tornar a dar sentido e vida aos princípios, em vez de os combater ou de os desprezar?
— Como levar os jovens a passar da solidariedade do pequeno grupo a uma verdadeira responsabilidade social?
Uma Educação para a Cidadania moralizante desagrada tanto aos professores como aos alunos, mas estes são acessíveis aos exemplos concretos que ilustram os princípios e por isso a reflexão sobre a atualidade torna-se indispensável neste domínio.
Mas se a curiosidade dos alunos pela atualidade merece ser tomada em consideração, a sua ignorância em matéria institucional torna necessário imaginar meios atraentes para os interessar.
Urge perceber-se o que é (e como é) a pedagogia da cidadania.
A formação cívica, como lugar privilegiado de descoberta e de debates, poderia assim tornar-se no local onde se conciliam, pelo esforço de todos, valores demasiadas vezes considerados opostos: o amor pela ordem democrática e pela tradição, mas também a aprendizagem da cogestão e da cooperação, a procura da inovação, o sentido dos outros e das relações interpessoais e o respeito dos grandes princípios, o gosto pelo trabalho bem feito e pelo encanto dos tempos livres com sentido.
É, seguramente, mais importante formar cidadãos do que selecionar matematicamente os futuros trabalhadores em função de um imprevisível mercado de emprego.
Milhares de jovens passam milhares de horas na escola e as respostas relativas ao seu pouco interesse pelo que fazem são desoladoras.
Agora é o tempo para que na escola, nas instituições e organizações comunitárias se aprenda, se viva e se imagine, o que pode (e deve) ser, graças ao esforço de todos, a educação, o ensino, a participação individual e coletiva, os direitos e os deveres que, consubstanciados no exercício consciente e crítico da cidadania conjugam, em toda a dimensão, a qualidade de vida.
Sem qualidade de vida dificilmente haverá educação para a cidadania.