6 de junho de 2018

Elsa Ligeiro
AGORA E NA HORA DA VOSSA MORTE

Acabaram chumbadas no Parlamento as quatro propostas de lei para a despenalização da morte assistida.
Pela primeira segui, através da TSF – Rádio, a uma votação nominal, e pela primeira vez escutei com atenção o nome de todos os deputados eleitos nas últimas eleições legislativas. E posso assegurar (pois tenho memória de elefante) que recordarei os seus nomes e a sua votação do dia 29 de maio nas próximas eleições.
Assisti depois, à noite, a um debate na SIC Notícias sobre um assunto que afinal não era o que tinha sido votado.
Na televisão, uma senhora vistosa e despida de qualquer pudor, clamava por direitos que já estão assegurados por leis da própria República. Mas quem assistisse ao debate e não conhecesse o que estava em causa, pensaria que se discutia outro assunto que não o da tarde (porque os demagogos aparecem sempre para retirar os seus dividendos, mesmo que o tempo seja o do pensamento filosófico sobre um assunto sério e importante).
Ora, se eu bem entendi, na Assembleia da República o que estava em causa era o direito de Eu decidir a minha morte e não a morte de mais ninguém.
Se eu entendi bem, o que estava em causa era a minha morte e não a “nossa” morte.
Se percebi, o que se pretendia era facultar-me a mim, cidadã da República Portuguesa, sem meios para me deslocar ao estrangeiro, o direito a eu não ser forçada a ser cliente de atendimentos hospitalares continuados, nem consumidora de tratamentos farmacêuticos.
E para meu espanto, até se interpretou de forma leviana um extraordinário conto de Miguel Torga (que falta lhes faz, senhoras e senhores deputados, algum Tempo para a Leitura).
Não alego a libertação da Dor, que esse também é um falso problema. Ninguém se liberta da Dor, falecendo. Mas isso é outra conversa.
Num mundo onde já nada me pertence, onde a troco de um cartão de cidadã, me impõem critérios de consumo que alimentam a organização de um poder que é só para alguns, e que servem sem vontade própria (a troco de benesses) para que ele continue arcaico, manipulador, e sem nenhum respeito pelo primeiro dos direitos humanos: o da Liberdade individual.
Talvez porque o nosso corpo é o elemento fundamental da sociedade de consumo que construímos para sobreviver. O nosso espírito (organizado com ideias herdadas e reconstruídas com as nossas experiências) não interessa.
Não é integrado nem é respeitado, neste mundo feito de Deve e de Haver, em que a Economia domina toda a nossa vida e vai para além da nossa morte.
E quando a espiritualidade naturalmente se manifesta (através da Dor e da Angústia, mas também da Alegria e do Deslumbramento) nascem logo novas ordens económicas para colmatar essa sede.
De forma organizada e integrada (e para dar lucro), oferecem a todos um regresso ao campo e à natureza inundando-a de lycra e aparelhos móveis, por exemplo. E criam-se igrejas e retiros orientais nas cidades, pois quanto mais exótica é a oferta, mais possibilidades de fuga (e clientes) ela ganha.
Inventam-se “soluções” que não passam de serviços terapêuticos para sustentar a arcaica Ordem Económica do Ocidente.
Quanto mais distante da nossa realidade, mais facilmente a inquietação é apaziguada.
Tudo tem solução, até a Hora da Nossa Morte, determinada apenas quando o corpo já não servir para consumir mais medicamentos e mais internamentos hospitalares.
Restando à sociedade (que tanto nos quer) a oferta de mais um lucrativo consumo: a cerimónia vistosa de um caríssimo funeral.

06/06/2018
 

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