Antonieta Garcia
EM NOITES DE LUA CHEIA…
As cigarras louvam o calor, animadas pela luz! Não há rua sossegada, onde a zanguizarra não soe certinha...
Esta calma fanfarrona desnudou-se e entregou-se despudorada a abrasar ruas e ruelas. Talvez o esplendor da lua e o estridular das cigarras sejam o clarão de palavras que deixaram de ouvir-se… Andam perdidas em que labirintos? Valem-nos as cigarras e a claridade que as inspira, no louvor da verdade.
A fábula – a da Cigarra e da Formiga - elegeu a formiga, egoísta, como modelo. Depois, o Poeta conheceu o mundo e decidiu-se, sabiamente, por outra moralidade: a cigarra expirou de fome; a formiga morreu de fartura…
Não sei que conjugação de astros associou estes insetos a Trump. Bem, fartura foi o que o presidente, egocentrista e narcisista, garantiu aos eleitores: America, great again! Assim?
Trump não quer saber das palavras. Servem para o que ele quiser. Diz, desdiz-se, mente… Conhecerá a “palavra de honra», a da “promessa que se faz, dando como garantia a própria honra”? (Dic. Academia das Ciências de Lisboa).
Sabe Trump o que significa tratar alguém com respeito, retidão, ética, justiça, honestidade, quando fala? A pessoa honesta não mente, não é falsa. Está nos antípodas dos que torturam as palavras até que signifiquem o que desejam. No mundo de Trump, a palavra de honra é um arcaísmo, está em vias de extinção. Não usa! Ouvimo-lo e tememo-lo tanto mais, quanto lhe sabemos o enorme poder, e o pensamento dominado por monstrinhos que infantilmente explora.
Exemplos? São tantos!
Ao contrário do que estouvadamente pregou, em campanha eleitoral, admitiu, agora, que acredita nas “alterações climáticas”. Condenou a extrema-direita americana, mas nomeou alguns membros para lugares relevantes. Episódios com emigrantes, com a Coreia, China, México, Irão… intimidam.
A última loucura é o seu alvo de ataque preferencial: os jornalistas. Identifica-os como a oposição. Acusa-os da invenção de histórias negativas (as moderníssimas “fake news”); ira-se porque não noticiam os sucessos da sua liderança. Declarou-os mesmo como “os inimigos” do povo norte-americano. Na verdade, governar sem eles era tão mais fácil…
E irrita-se com a alusão à interferência da Rússia no processo eleitoral americano... Quem perverteu o quê? Os responsáveis dos serviços de informações e segurança dos EUA admitem que a intromissão poderá repetir-se, nas eleições presidenciais de 2020…
Tudo isto é dito em comícios (os deditos, polegar e indicador, a construírem um zero, perto da orelha), ou… através do tuíte. Porque Trump tuíta muito; nunca se interroga. Tem um pronto-a-pensar, certezas! E expressar qualquer pensamento que exija mais de 120 carateres é um desperdício de tempo.
Faz-lhe tanta falta o imaginário, o pão do espírito de cada dia… Na Torre Trump, a casa é uma profusão de espelhos (espelho meu, quem é mais bonito do que eu?), de superfícies pejadas de folhas de ouro, e mármores, bronze e veludo… Significam o quê? Alarde de muitos dólares! Malogradamente a Torre serviu a Trump para, na altura do ataque às Torres Gémeas, em 2001, concluir: “O edifício 40 da Wall Street era, na verdade, o segundo prédio mais alto no centro de Manhattan… E agora é o mais alto.” Haverá maior prova de insensibilidade? Triste Trump! Encerrado numa teia de figuras que entram e saem do governo, por se entenderem hoje, e serem inimigos amanhã, é um catraio azarado. Assistir à “miniaula” de Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a História de Portugal e da América, perante um rosto estupefacto, assombrado, ignorante… foi uma cena burlesca. Ainda pretendeu, “jogar” com Ronaldo…Pode ser que tenha aprendido: “em Portugal, as coisas são diferentes…”
Trump é triste. Não gosta de pessoas… Que bem lhe faria, ouvir as palavras de Miguel Torga:
Somos nós /As humanas cigarras! / (…)
Somos nós, e só nós podemos ter/Asas sonoras, (…)//.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto /A taça fraternal deste meu canto,/ E bebo em vossa honra o doce vinho / Da amizade e da paz!/ (…) //
E vos digo e conjuro que canteis! / Que sejais menestréis / De uma gesta de amor universal!/ Duma epopeia que não tenha reis,/ Mas homens de tamanho natural!/ Homens de toda a terra sem fronteiras!/ De todos os feitios e maneiras,/Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!/ Crias de Adão e Eva verdadeiras! /Homens da torre de Babel!//
Homens do dia a dia / Que levantem paredes de ilusão! / Homens de pés no chão, / Que se calcem de sonho e de poesia / Pela graça infantil da vossa mão!//
Trump e sequazes assombram os nossos dias. Mas em dias luminosos, as cigarras convidam para esta viagem “da amizade e da paz”.