Maria de Lurdes Gouveia Barata
INCENDIADOS
Um céu baço, um sol coado, enganando porque arde na pele, incomoda, dificulta a respiração como na proximidade de lume, o fato encharcado de suor, o cabelo molhado de transpiração a colar-se à pele, antipaticamente dando um ar desmazelado no rosto, o cansaço duma prostração que trava os membros e impacienta, sobretudo o halo de chama muito perto do rosto – eis as consequências da onda de calor que veio inaugurar o verão (que se tinha manifestado quase-só-primavera). Foi assim que entrou Agosto. E eu, que me apregoo sempre como mulher de verão, pus-me a vociferar contra o Verão. Embirro com o vento e pus-me a desejar um vento que pelo menos movimentasse o ar… e nem uma folha bulia…
O gato, o Gaspar, movimenta-se pela casa, sempre com ar majestoso, mas mais lento, prejudicando um pouco a majestade de felino ao espojar-se no chão, mudando de lugar, espojando-se de novo, à procura do fresco que o seu corpo faz desaparecer depois de alguns minutos. Incendiados pelo sol numa combustão lenta. E parece provável que as vagas de calor se tornem mais frequentes e parece que os incrédulos, apologistas dos lucros sem olhar a meios, continuarão a dizer que as alterações climáticas e suas consequências são ficção de alarmistas…
E Portugal incendiou-se em vários pontos, Marvão e Monchique, por exemplo, mas continua incendiado, aflitivamente, em Monchique, na altura em que escrevo. Apesar da oração íntima do nosso desejo de não haver fogos este ano, eles aí estão, queimando haveres e corações.Alertas vermelhos para os humanos, os animais, a Natureza. E as notícias a incendiarem a Europa e o mundo. e não há fuga possível quando as chamas do calor sobem até ao Círculo Polar Árctico… O Diabo, com grande séquito de diabinhos à solta, vai galhofando com a satisfação do incêndio… Bem bastava a memória da Grécia ardendo e os testemunhos da aflição de sentir o calor do fogo nas costas enquanto se corria para o mar de Mati e alguém corria atrás de mim e deixei de pressentir – alguém que entrara na bocarra hiante do fogo. Impressionou-me sobretudo aquele mar de salvação coberto de fumo e gente com água pela cintura, perdidos todos, chorosos, descoordenados, esfumados e fantasmagóricos. Estradas de carcaças de carros evocadoras da estrada da morte de Pedrógão Grande, ressaca de incêndios nos nossos olhos estupefactos.
Nada de fazer fogo ou brincar com o fogo… Mas Donald Trump brinca com o fogo. Ainda se fosse ele a ficar incendiado, enfim, mas nós todos corremos o risco de incendiadoscom a jactância e irresponsabilidade dum só.
Donald Trumprasgou o acordo nuclear assinado por Barack Obama com o Irão, classificando o país como um “regime de grande terror”.O acordo tinha sido concluído em Julho de 2015 entre o Irão e o grupo 5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — EUA, Rússia, China, França e Reino Unido — e a Alemanha) e visava, em troca de um levantamento progressivo das sanções internacionais, assegurar que o Irão não desenvolvesse armas nucleares. Foi conseguido depois de 21 meses de duras negociações.Trump repôs as sanções económicas contra o Irão, usou o Twitter para deixar um aviso: quem negociar com o Irão não o vai fazer com os EUA. Que democrata é este vaidoso! Incendeiam-se as opiniões, há alertas vermelhos de perigos vários…
Há uma perspectiva positiva de fogo, hoje, porém, registei a parte negativa. E fico a pensar neste planeta Terra, pontinho do universo que é a minha casa, a nossa casa…