Celinha
A CELINHA E OS BURACOS
Cá estou eu em vez daquele chato do José Dias Pires.
Ultimamente ando a ser perseguida pelos buracos.
Buraco um.
Há três anos asfaltaram a minha rua por causa dos buracos e mesmo à frente da minha porta deixaram um buraquinho no chão. Até era giro. Dava para jogar ao berlinde.
Há dois anos o buraco cresceu quase lá cabia um pé e um vizinho meu disse o meu pai que era um vizinho mas eu sei que o tal vizinho é o meu pai espetou lá uma estaca com um cartaz que dizia procuramos petróleo prometemos ser breves.
A verdade é que o raio do buraco agora já está do tamanho de um pneu e eu para atrair os turistas antecipei-me a toda gente e pintei à volta do buraco foi aqui que caiu o meteorito.
Buraco dois.
A bem dizer eu também tinha um buraco e não sabia.
Antes de ontem no campo de férias no intervalo da manhã fomos ao café em frente da escola comprar uma sandes. Eu levava uma nota de cinco euros e vim de lá com três moedas no bolso. Não sei porquê mas quando chegámos à sala vínhamos uns poucos a chocalhar as moedas. A monitora não gostou e mandou-nos por as moedas em cima da mesa e eu também as pus só que em vez das três só achei duas e comecei a chorar.
Então Celinha estás a chorar porquê?
Porque tinha três moedas e agora só tenho duas.
Ora perdeste uma com a brincadeira.
Não perdi nada.
Então se tinhas três moedas no bolso e perdeste uma o que é que deves ter no bolso?
Um buraco quase de certeza.
E era.
Depois apeteceu-me escrever uma história sobre os nossos antipáticos que vivem lá do outro lado do mundo na nova disneilândia e que ficam a direito de nós se fizermos um buraco até lá.
Buraco três.
Eu andava com esta preocupação na cabeça sem ter inspiração para escrever sobre aquele tal buraco a direito com medo de dar de caras com os antipáticos lá da nova disneilândia mas safei-me.
É que ontem o meu pai saiu-se com esta à hora de jantar a propósito do buraco da nossa rua e disse: o nosso buraco não tem fundo.
Nosso? Qual nosso? Perguntou a minha mãe. Estas a dizer que a nossa casa tem um buraco sem fundo?
Pronto. Foi aqui que eu entrei na conversa.
É o da rua mãe! E tem fundo tem. O fundo está é tapado por uma tampa de terra e lá no outro lado do buraco vivem os nossos antipáticos os habitantes da nova disneilândia.
Os meus pais olharam para mim e pareciam o burro do ti Quaresma a olhar para o palácio de Belém e eu expliquei: tão são os novos disneilandeses não estão a ver? Aqueles nossos antipáticos que vivem lá do outro lado do buraco da nossa rua. Basta cavar e cavar e havemos de chegar ao outro lado e abrir lá o buraco e entrar e dizem que lá é que é bom.
Bom? Bom? Perguntaram os meus pais quase em coro.
Bom pois. Nós aqui temos ovelhas não é? Pois eles lá têm onovas. As nossas ovelhas dão lã não é? Pois as deles dão licra de certeza porque lá não há crise e buracos só nos queijos. Aliás os novos disneilandeses nem gostam de queijo por isso é que os fazem enormes e cheios de buracos como os queijos suíços que a tia Zefa nos traz mas em muito mais grande.
O quê? Perguntaram os meus pais agora mesmo em coro.
O queijo! E eu expliquei.
Os novos disneilandeses não gostam de queijo não. Imaginem um queijo suíço daqueles bem cheios de buracos. Pois os deles são maiores e quanto maior é o queijo maiores são os buracos e cada buraco ocupa o lugar em que havia de haver queijo e assim quanto mais buracos menos queijo e quanto maior é o queijo mais buracos e quanto mais buracos menos queijo. Tão a ver? Quanto mais queijo menos queijo. E depois vendem os queijos e depois ficam ricos pá! Eu acho que vou cavar o buraco da nossa rua até à terra dos nossos antipáticos lá da nova disneilândia para trazer a receita do queijo sem queijo para quem não gosta de queijo e que nos há-de tirar a nós deste buraco e depois escrevo aquela história.
E se o nosso buraco não tiver mesmo fundo? Perguntou meu pai pareceu-me a mim um pouco aflito.
Ora fazemos publicidade do que eu vou a fazer assim mais ou menos: menina de doze anos aumenta o buraco da sua rua para ir ao outro lado do mundo arranjar maneira de tapar o buraco orçamental da sua família e depois o de Portugal. Vão aparecer jornalistas e fotógrafos e deputados da nação, o ministro das finanças e até o Cavaco. Põe-se o ministro a espreitar para dentro do buraco em primeiro que os ministros das finanças vão sempre à frente e espera-se. Eu vou cavando e cavando e cavando e o pai pergunta está tudo bem? E eu respondo está e continuo a cavar. E o pai pergunta está tudo bem em em em em? E eu respondo está ááá e continuo a cavar. E quando já não me ouvir é porque eu já vou lá muito no fundo e o pai pergunta pelo telemóvel já chegaste à nova disneilândia? E quando eu disser que sim mandem o ministro para dentro do buraco ou se ele não quiser mandem o Cavaco que afinal parece que ainda está vivo e também tem a mania que sabe de finanças e de crianças.
O ministro? O Cavaco? Mas não és tu que vais buscar a receita do queijo sem queijo para quem não gosta de queijo?
Sou.
Então para quê mandar o ministro ou o Cavaco?
Ora o ministro porque sabe de buracos que se farta e o Cavaco porque ele acha que eu que sou criança é sou a solução dos nossos problemas não é?
É. E eles?
Eles? Tanto faz desde que um seja a tampa do buraco.