20 de fevereiro de 2019

Maria de Lurdes Gouveia Barata
URGÊNCIAS

Urgência? Uma pressa, um toque a rebate, um desejo desalmado de resolver. A urgência exige a acção premente por algo aflitivo, angustiante, tornando inadiável essa acção. E urgências enchem a nossa vida. Todavia é curioso: pronuncia-se a palavra urgências e surge logo um referente devido ao plural, que são as urgências hospitalares. Torcemos o nariz: a associação leva ao negativo das longas esperas, das tosses insistentes que nos irritam, das máscaras a ocultar boca e nariz, fazendo aumentar o olhar brilhante ou mortiço e cansado das febres em tempo de gripes, a impaciência da ilusão de minutos de espera, que passam a horas e horas que se vão dobrando e enovelando no desespero. Já que entrei nesta via, fico-me pelo hospital e pelo serviço de urgências. Inscrição da doente de que sou acompanhante. Sala de espera. Aquele senhor faz um fole da máscara que lhe protege a boca e o nariz (e protege também os outros) e sente-se a boca a abrir numa falta de ar, lembro-me de bicos de passarinhos abertos para obter alimento… Aquela senhora varre tudo com o olhar, tosse, mas espia as tosses e os esgares de alguma dor pelos quatro cantos da sala. Aqueloutra olha o chão do seu próprio ensimesmamento, de mãos apertadas por algum incómodo. Entra uma criança a choramingar de olhar assustado e agarrada à perna de ganga da mãe. Triagem! Chamam o nome da doente que acompanho. Não demorou muito. Na triagem vem o porquê, a queixa, um pouco de historial de alguns internamentos anteriores pelo mesmo motivo, desta vez com características agravadas, conhecida a doente pelo sector da cirurgia. A pulseira verde. - Vai haver muito tempo de espera, não é? – Não muito, uns 28 a 30 minutos. Um pouco incrédula, um pouco esperançada, voltamos à sala de espera. A minha doente queixa-se agora de dor. Esperamos. Entra um senhor ferido e faz o itinerário dos outros: sala de espera, triagem, sala de espera e espera. Continua-se sempre à espera, com a agravante de uma ansiedade nova: perceber o nome de quem é chamado pelo microfone. Lá de dentro vêm vozes ao microfone que ninguém entende. Um senhor de olhar azul desbotado, com alguma idade, exprime a mesma ânsia de não perceber – minha senhora, que nome chamaram, pergunta em surdina, e eu entendi?! – eu chamo-me fulano de tal, - pelo som não foi a si que chamaram, não havia semelhança – e logo ali ficámos cúmplices… Pois, estamos no Hospital Amato Lusitano, que está em obras, mas os microfones ainda continuam a gerar picos de ansiedade… Já lá vão duas horas. Vou até lá fora arejar um pouco e fumar um cigarro apaziguador. Qual quê! Inutilizo o cigarro, corro para dentro, porque agora os microfones não têm ligação lá para fora. A impaciência distrai-se com uma revista já toda lida, esqueci-me dum livro que é mais pacificador, porque me leva para outros lugares. E já lá vão três horas! Desentorpeço as pernas no hall de entrada e volto à cadeira, à espera. Já lá vão três horas e meia. Torno a folhear a revista, tentando apanhar outros pormenores que me possam ter escapado. Chamada? Parece-me que sim… só que não percebi o número do gabinete onde devo levar a doente. Perguntarei. Empurro a cadeira de rodas com alguma pressa, a tal urgência, que já lá vão três horas e cinquenta e cinco minutos. Entro no gabinete de chamada (afinal não orientaram para cirurgia!) e está uma jovem médica que vai atender. Não resisto a que a minha longa espera se sublime numa ironia misturada de sarcasmo: - Que bom a minha mãe já ter sido chamada ao fim de quatro horas de espera! Não gostou! E pensou dar-me uma Lição: - Olhe, querida, a sua mãe podia ainda não ter sido chamada agora, ainda podia ter sido chamada daqui a pouco… A minha impaciência, caldeada de cansaço, desmoronou, emergiu em revolta (por várias razões), deslocou-me para aproximação de rostos: - Então, vamos lá conversar, minha querida, quer que lhe agradeça o favor que me fez por chamar a minha mãe ao fim de quatro horas ou quer que a leve lá para fora para esperar mais um bocadinho?! O resto… está em segredo, não de justiça, mas de família e amigos. Eu bem falei que os médicos da cirurgia acompanhavam a minha mãe. Mas ninguém foi chamado. A soberba traz a ilusão da auto-suficiência. Linha final de epílogo, sem mais pormenores: receita de antibiótico e analgésico e, se fosse preciso, que voltasse às urgências. Voltei. No dia seguinte a minha mãe foi internada pela cirurgia.
Abrenúncio!

20/02/2019
 

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