José Dias Pires
AS ESCOLAS FIZERAM O TRABALHO DE CASA, E NÓS?
A profunda crise, complexa e multidimensional, que, nos tempos atuais, afeta a nossa vida nas suas múltiplas dimensões: saúde, meio ambiente, relações sociais, economia, política, educação e tecnologia, exige que as comunidades desenvolvam, de forma efetiva, uma cidadania integral, sustentada na autonomia, na crítica, na criatividade e na responsabilidade individual e coletiva, capazes de perspetivar uma sociedade de cidadãos empenhados e conscientes que participem solidária e ativamente na vida comunitária, cumprindo deveres, exigindo direitos e sabendo usufruir dos seus espaços. Tal autonomia significa ser-se capaz de agir a partir de valores e princípios conscientemente assumidos, que ajudem a saber discernir o que é significativo em cada situação, optando pelos melhores caminhos na construção do exercício da cidadania.
Neste sentido, tudo isto implica ser-se capaz de compreender as limitações, identificar as necessidades e promover a participação de acordo com os interesses pessoais e coletivos.
O município, como era sua obrigação, compreendeu a atual situação de pandemia, cujo fim ninguém consegue perspetivar para os meses mais próximos, e fez o que devia: apoiou as escolas na preparação material de um ano letivo tão seguro quanto possível, promovendo ainda testes serológicos em todos os agrupamentos de escolas e escolas profissionais, que se estenderão ao Instituto Politécnico e colocando assistentes operacionais nas escolas para suprir a ausência, atestada por profissionais da saúde, de um número significativo de funcionários dos agrupamentos escolares.
Os agrupamentos, por seu lado, desenvolveram um trabalho digno de realce, para que, na medida do possível, e por vezes do impossível, as suas escolas oferecessem espaços de tranquilidade e segurança a professores, alunos e funcionários.
Estes dois exemplos de trabalho atempado e de resposta correspondente ao que seria exigível, projeta preocupações de educação social comunitária, que assumem, neste contexto, grande relevância e em que a finalidade do conhecimento e da informação deve passar como mensagem formativa dos cidadãos na sua globalidade: consciência e cidadania, garantindo uma inserção participativa e transformadora de comportamentos comunitários.
Atentos ao que se passa, e pode vir a passar-se, nas nossas escolas que, com o município, fizeram, como se lhes pedia, o seu trabalho de casa, enfrentamos, todos, o desafio de correspondermos ao trabalho realizado nas e com as escolas, que é o de exigirmos, em primeiro lugar a nós próprios e de imediato aos que nos são próximos, crianças, jovens e menos jovens, que assumamos e assumam comportamentos responsáveis, evitando comportamentos de risco e irresponsáveis, a que infelizmente temos assistido, com uma frequência superior ao desejado.
Tal implica, também, uma chamada de atenção para a intervenção de proximidade das forças de segurança junto dessa população menos cuidadosa e responsável, que, julgando-se impune e quiçá imune, se aglomera nos locais e horas que de todos nós são conhecidos, quer no centro da cidade quer em periferias onde se sentem menos observados como a zona de lazer ou o castelo.
De facto, ainda estão por fazer muitas ações de educação social comunitária, que pode e deve, desenvolver-se a partir da conceção do mundo escolar entendido como um mundo de vivências de práticas democráticas e interativas onde são desenvolvidas as responsabilidades coletivas em relação ao bem comum, mas no qual as famílias, as instituições comunitárias e as organizações empresariais não podem tranquilamente descansar as suas responsabilidades.
Nestes tempos de profunda crise, todos exigimos, e bem, à autarquia e às escolas que promovam novas práticas, aproveitem e potenciem os seus recursos, numa projeção comunitária e cooperativa, partilhando meios, saberes, experiências formais e teóricas, vivências de educação não sistemática com conhecimentos e valores próprios dos atuais interesses, necessidades e perspetivas de vida comunitária, mas vamos, muito de nós, esquecendo que é fundamental promover a própria comunidade, através de todas as estruturas coletivas públicas, empresariais e associativas, assim como através das famílias e de todos nós, como sujeitos ativos de uma educação social comunitária sem a qual será muito difícil contribuir para combater todos os efeitos negativos que a atual crise pandémica tem produzido.
A consciência social e a preocupação com o bem-estar e a segurança dos outros, são uma obrigação social e um dever comunitário que vão muito para além da escola, e não desculpam a ausência despreocupada do assumir de responsabilidades de todos e cada um de nós.