Edição nº 1699 - 14 de julho de 2021

José Dias Pires
AS LEGUMINOSAS E A POLÍTICA

As lentilhas são um alimento que divide opiniões: há quem as adore, especialmente quando acompanhadas por um bom enchido e há quem as deteste, não tanto pela sua textura e sabor, mas pelo que a metáfora do “prato de lentilhas” pode representar na vida social em geral e na vida política em particular. Isto é, “vender-se por um prato de lentilhas”, expressão ainda hoje usada para designar aqueles que em troca de quase nada, que no momento acham ser o mais importante, se dispõem a desbaratar o que de mais valioso tem a humana condição: os valores e os princípios.
Por “um prato de lentilhas” se desprezam compromissos de consciência para satisfazer desejos e ambições pessoais.
Por “um prato de lentilhas” se aceitam as máscaras que antes se repudiavam com veemência. Enfim, (mau) sinal destes nossos tempos.
O que a (má) política do pagamento de favores recebidos faz: servir-se de leguminosas para gerar convencimentos e abandonar convicções. E, para quem não gosta de lentilhas, há as favas, as “favas contadas”. Pois é, a expressão “favas contadas” tem tudo a ver com processos eleitorais. Houve um tempo em que as votações se faziam usando favas brancas e pretas. Brancas para o sim, pretas para o não. Na apuramento, separavam-se as favas introduzidas nos potes e venciam as que estavam em maior número. Sem choro, baba ou ranho e até com consensual aplauso.
Favas contadas era sinal de democracia: quem ganha, compromete-se e quem perde, aceita; quem ganha, obriga-se a responder (e a corresponder e quem perde, faz o luto, deixa passar um ciclo e, se quiser, voltará depois para provar que estavam enganados os que determinaram a anterior derrota. Tão simples como isto.
Com o passar do tempo, as favas de contar abandonaram os potes, transformaram-se em besouros, bateram asas e voaram. Aprenderam a fazer contas, a prometer, a favorecer e a contribuir para o errado convencimento de que a cobrança de favores são “favas contadas” nos resultados eleitorais. É que, felizmente, ainda há quem “mande à fava” os convencidos contadores de favas, porque lhes não apetece terem no futuro de “pagar as favas”.
E jogar a feijões? Será que hoje já ninguém joga a feijões? Isto é, vive a política sem desejar receber outras contrapartidas que não sejam a realização pessoal através do serviço prestado à comunidade?
Eu confesso: gosto muito de comer feijões e ainda mais de jogar a feijões se, nesse jogo, em cada jogada, o jogador que tiver mais feijões dá um feijão a cada um dos restantes jogadores e coloca mais um no meio da mesa, terminando o jogo logo que um dos jogadores fique sem feijões. Vejo assim a política: competitiva mas não interesseira; comunitária e distributiva; harmoniosa e saudavelmente divertida porque regrada e com limites comummente propostos e aceites.
Enfim, “grão a grão, enchem as galinhas o papo”, o mesmo é dizer, se os grãos forem igualitariamente distribuídos: pouco a pouco, com paciência, parcimónia e equidade, é possível e desejável que os grãos cheguem a todos os papos, contra a vontade das aves canoras que por não gostarem de jogar a feijões, acham que com as suas repetidas “cantigas de embalar” a chegada aos poleiros são favas contadas.
Espero bem que não.

14/07/2021
 

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