Edição nº 1707 - 15 de setembro de 2021

Lopes Marcelo
ROMARIAS DA NOSSA SAUDADE II

Neste tempo especial que nos é dado viver volto, em saudável nostalgia, à evocação das romarias e festas da minha terra. O culto do Espírito Santo é dos mais antigos, o mais generalizado e transversal às nossas povoações. Por nós foi levado na saga dos descobrimentos, com grande destaque para os Açores e para o Brasil. É muito raro existir povoação que não tenha uma capela em honra do Divino Espírito Santo.
Assim se passa em Aranhas, com a pequena capela ao fundo da rua com o mesmo nome. No vértice do telhado destaca-se a simbólica pomba branca, indelével presença a assinalar a matriz crente do nosso povo. Naquele local, junto a uma antiga via romana, existiu um primeiro templo à volta do qual surgiu o povoado. Sobre as fundações desse templo se reconstruiu a actual capela que ficou dedicada ao Espírito Santo e que foi igreja matriz até à construção da nova igreja em 1886, já situada mais no centro da povoação que se estendera pela pequena encosta no sentido poente. A Capela é uma construção modesta, de paredes largas e telhado de duas águas com cobertura de telha mourisca assente em armação de madeira. A porta e a fresta são do século XVI. O altar é do mesmo século e apresenta colunas estilo jónico. Nas pinturas existem imagens de S. João Batista, cuja origem não é possível determinar pois foram várias vezes pintadas.
A Festa ao Divino Espírito Santo que se situa num Domingo do início de Junho, sempre teve um significado especial: simples, de tocante intimidade pois é carregada de afectos e religiosidade pessoal e sem grandes manifestações exteriores. A sua organização segue a tradição de uma Comissão de Festeiros que de modo informal é indicada pela anterior, de dois em dois anos. Da parte da manhã, realiza-se a missa, seguida de procissão solene com muitas flores a serem deitadas das janelas sobre o andor. À tarde faz-se o ramo das ofertas no adro da Capela, em que se destacam os tabuleiros e açafates com bolos caseiros, travessas de arroz doce e garrafas de vinho que são leiloados. O ambiente é de arraial de música popular, dança-se e convive-se, mas sem a feira presente em tantas romarias.
Também na poesia popular se entrelaça o sagrado e o profano na pauta lúdica, como ressalta das seguintes quadras:

Divino Espírito Santo
Casamenteiro das velhas
Porque não casais as moças
Que mal Vos fizeram elas?

Ó Divino Espírito Santo
Meu açafate de flores
A Senhora do Rosário
Vos manda muitos louvores.

Para quem participe na missa campal em frente à Capela é natural sentir um acolhimento maternal, em diálogo com o espírito do lugar que evoca a fundação da povoação, em afectuosa vibração com o telúrico fluxo de energia, com o engenho, capacidade de trabalho e de resistência em heroísmo silencioso da nossa gente. Contudo, são cada vez menos as pessoas a residirem na povoação, embora legítimas herdeiras do espírito do lugar e da notável herança cultural das anteriores gerações. Há uma sensação de impotente tristeza em face do processo de asfixia demográfica e progressiva morte social das nossas terras. Está a desaparecer o povo das nossas terras. Que papel poderão desempenhar as Comunidades espalhadas pelas grandes cidades e pelo estrangeiro que tiveram origem nas nossas terras? A nossa sociedade caminha a passos largos para desequilíbrios e assimetrias cada vez mais gritantes, sem que ninguém oiça o grito d´alma e actue com coerência, sentido de justiça e visão de futuro.

15/09/2021
 

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