Valter Lemos
A ESQUERDA, O SAPO E O ESCORPIÃO
O sapo e o escorpião é uma fábula sobre um escorpião que pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta que se picar o sapo, este afundar-se-ia e o escorpião iria afogar-se. O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas, no meio do caminho, o escorpião acaba por ferroar o sapo, condenando ambos à morte. Quando perguntado pelo sapo por que havia lhe picado, o escorpião responde que esta é a sua natureza e que nada poderia ser feito para mudar o destino.
Vem esta fábula a propósito do chumbo do Orçamento do Estado apresentado pelo Governo PS e chumbado pela esquerda (PCP e BE) aliada à direita (PSD, CDS, IL e Chega).
Na verdade, ninguém percebeu bem a posição do BE e do PCP. Há seis anos que viabilizam orçamentos apresentados pelo governo de António Costa e agora, quando é notório que o orçamento apresentado era o mais à esquerda de todos, resolveram chumbá-lo.
Nem as explicações dos responsáveis desses partidos foram elucidativas. Afinal a perceção pública era a de que as cedências do PS às propostas de PCP e BE seriam ainda mais significativas do que em orçamentos anteriores.
Por isso parece tão adequada a fábula do sapo e do escorpião. Os partidos da esquerda “tinham” que chumbar o orçamento do PS. Aliás, já não é primeira vez em que tal acontece. A última vez foi em 2011 a propósito do chamado PEC 4 resultante da crise financeira internacional de 2008/9. Também aí o PCP e se BE se juntaram à direita no chumbo, provocando a queda do governo e eleições e o aparecimento do governo Passos Coelho/Paulo Portas.
Quando foi anunciada a chamada “geringonça” alguns colocaram reservas ou discordâncias, invocando o PEC 4 e alegando que o PCP e o BE acabam sempre por se colocar contra o PS, pois é essa a sua natureza.
E assim aconteceu!
A realidade fez jus à alcunha da solução política de governação dos últimos seis anos. A “geringonça”, desmantelou-se!
Face à decisão do Presidente da República de dissolver o Parlamento e convocar eleições, a qual, aliás, já havia sido antecipada pelo mesmo, restará saber o que vai resultar das mesmas.
Não é crível que PCP e BE obtenham ganhos de causa. Afinal são os responsáveis visíveis da crise. O que coloca ainda mais surpresa pela respetiva decisão de a provocar. Mas um enfraquecimento à esquerda do PS parece previsível. Por sua vez, à direita, a implosão do CDS, favorecerá os outros partidos. Terá lugar o já esperado crescimento do Chega, mas também da Iniciativa Liberal.
Toda a decisão, uma vez mais, estará no eleitorado do centro, pois o crescimento do PSD com o desaparecimento do CDS e o do PS com a penalização do BE e do PCP, não serão suficientes para garantir maiorias. Aparentemente o PS está em melhor situação. Desde logo o PSD está em crise interna, a qual, aliás, pode aprofundar grandes divisões, nada úteis neste momento. Mas, ainda assim, uma eventual possibilidade do PSD ganhar as eleições, tem alta probabilidade de uma maioria à direita só poder ter lugar contando com o Chega, o que não deixará de colocar dificuldades políticas à formação de um governo nessas condições.
Assim sendo, parece que a situação mais provável é a de uma nova vitória do PS. Se a mesma fosse por maioria absoluta, abria-se um novo ciclo político com um governo PS maioritário. Mas é possível o PS obter tal maioria, que na história da democracia só aconteceu uma vez, com Sócrates em 2005?
Não parece que as perdas da esquerda (PCP e BE) sejam suficientes para a maioria absoluta do PS, o que coloca a questão da reação do eleitorado do centro à governação do PS em “geringonça” e também aos acontecimentos relativos ao chumbo do orçamento e à ocorrência de eleições.
Não deixa de ser curioso e interessante observar que, apesar das significativas alterações ocorridas no panorama partidário português, com a expressão de novas correntes políticas e o aparecimento de novos partidos e também com uma nova solução de governação (a “geringonça”) voltamos à situação que coloca o eleitorado do centro, no centro da decisão. Se a posição desse eleitorado face à governação do PS for positiva, o PS poderá ter uma maioria absoluta, se for negativa, ficaremos como estamos (ou, caso a reação negativa seja muito forte, teremos uma maioria de direita).
A questão relevante que sobra é: o que fazer se continuar tudo como está (maioria relativa do PS com maioria à esquerda)? Porque acontecendo coloca questões sérias. A reedição da “geringonça” parece um pouco ridícula. Se as eleições acontecem por essa solução não funcionar, como explicar que seja reeditada? Por outro lado, um acordo PS/PSD também não parece adequado, já que se apresentam como alternativas de governo.
É, pois, possível que entremos numa situação de instabilidade, que o presidente tanto tem pretendido evitar, mas que pode, afinal, ter aprofundado com novas eleições.