Edição nº 1719 - 8 de dezembro de 2021

José Dias Pires
NÃO INVENTEMOS: CIDADANIA É DISPONIBILIDADE E OUSADIA

“A contas com o bem que tu me fazes, a contas com o mal por que passei, com tantas guerras que travei já não sei fazer as pazes”. (José Mário Branco)
Que grande bofetada levarão os arautos das gerações perdidas, que dizem ser aquelas que se seguem à sua (sempre a melhor e a mais capaz, claro), quando se depararem com exemplos de cidadania da disponibilidade e da ousadia dos que nada esperam em troca, nem sequer de um bem haja. Jovens, irrequietos, com “bichos carpinteiros” que lhes agitam os valores e os desafiam nos princípios que muitos de nós (a geração que quase em tudo se perdeu ou em tantas coisas anda perdida) não sabemos muito bem onde os colocar, para além das prateleiras dos interesses individualistas, mesquinhos, peculiares e vulgares.
“São flores aos milhões entre ruínas, meu peito feito campo de batalha, cada alvorada que me ensinas, oiro em pó que o vento espalha”. (José Mário Branco)
Oiro, são estes jovens, e têm nome (sei que não gostarão que os cite, mas é minha obrigação fazê-lo): João Briosa e Luís Batista.
Ingénuos? Ainda bem. Acreditam que podem (e devem) contribuir para uma cidade mais urbana, para um território mais limpo (em todos os sentidos), logo melhor.
Têm um projeto, sem outros meios que não sejam a sua vontade, a sua irreverência, disponibilidade e ousadia.
Dão corpo (e mãos, e tempo, e dinheiro) à voz da cidadania — à sua voz — com um sorriso tímido e um olhar terno (quase a pedir desculpa de uma culpa que não é sua).
“Cá dentro inquietação, inquietação, é só inquietação, inquietação, porquê, não sei, porquê, não sei, porquê, não sei ainda”. (José Mário Branco)
E porquê? Porque há um vírus que se acomoda em nós, quase invisível. Há um vírus que nos incomoda a voz, porque é imprevisível. Há um vírus que nos apoquenta, aflige e nos faz mossa. Há vírus que a alguns pouco importa e não se lhes exige, por culpa nossa. O vírus de quem vive acomodado com tudo o que nos foi oferecido e que antes não tivemos. Há quem viva despreocupado e descomprometido e nós sabemos. Há quem viva a liberdade e de verdade pelas a reconhece porque sempre a teve. Mas também há quem dela abuse porque se esqueceu a quem a deve. Há quem se julgue imortal, imune, ao vírus do desinteresse quase invisível, ao vírus da ignorância imprevisível, e se finja preocupado só para ser desculpado do seu mal comportar-se, impune.
Há quem o saiba, mas dizer não queira, que fizemos da vida uma feira de vaidosos e iludidos competidores, formados numa escola onde, por vezes, se escondem os valores. Há quem continue a fingir ignorá-lo e o não leve a peito, tratando disfarçá-lo de descuido, quando é, antes de mais, inaceitável desrespeito. Por nossa culpa, por culpa nossa.
Aos espaços citadinos, que abandonámos a um destino esboroado, decadente e triste, o João e o Luís trazem o branco límpido que espera a ação concreta, clara e evidente, sem a eloquência forjada em promessas de não cumprir, em vontades de são ser (porque são apenas de bem parecer).
Dois jovens que, precisando de nós, de nós não precisam para ser como são: dois jovens que nos fazem falta e nos obrigam, de acordo com as nossas responsabilidades comunitárias, a agir, a acompanhar, a municiar os seus projetos de intervenção, de dádiva desprendida a um coletivo que devia existir e se está a perder (por nossa culpa, por nossa imensa culpa).
“Ensinas-me fazer tantas perguntas na volta das respostas que eu trazia, quantas promessas eu faria se as cumprisse todas juntas. Não largues esta mão no torvelinho, pois falta sempre pouco para chegar, eu não meti o barco ao mar para ficar pelo caminho”. (José Mário Branco)
Não inventemos: cidadania é disponibilidade e ousadia.
Não é João? Não é Luís?
E nós? E nós? E nós?

08/12/2021
 

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