Antonieta Garcia
MORRER DE AMOR
Está fora de moda morrer de amor e, por tal paixão, entregar a alma ao Criador. Quem se lembra dos que foram amores célebres desmedidos?
Escolha-se um exemplo português: os nomes de Teresa e de Simão, protagonistas do “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, dizem alguma coisa? A leitura do romance, na Escola, era inevitável. De que valeu a obrigatoriedade? Maioritariamente, o texto foi mimoseado com o comentário: Que grande seca! Os amores de Teresa, Simão e Mariana, não fossem os resumos apuradíssimos da novela que aparecem nas livrarias, com um número de folhas mais aceitável para leitores tardios, e nem o nome do autor se lembraria.
Todavia, morrer de amor pode ser lindo de morrer! Durante largas décadas, proclamou-se como modelo a paixão amorosa e poetas, romancistas e outros autores, enamorados, morreram mil vezes em textos que entusiasmavam jovens crentes e devotos de Eros.
Também, desde cedo, na poesia galaico-portuguesa, trovadores esmeraram-se a descrever as fremosas (formosas), ledas (alegres), velidas (queridas), bem-talhadas, louçãs (belas), donas do bom semelhar... moças que se perdiam em bailias e declarações amorosas, sobretudo em tempo propício ao amor.
Morrer de amor era projeto sentimental de trovadores que cantavam a moléstia da alma e sonhavam futuros de boa saúde a haver... As garridelinhas, das cantigas de amor, finavam-se de saudade, outras iam aprendendo a arte de amar até alcançarem cânones superlativos e mais que perfeitos.
Acompanhar a ética fiel, perder o sono e abrir alçapões que albergavam tempestades extemporâneas, podia ser eterno. Afinal, passados séculos, a fronteira de amar perdidamente à Camões ou à Florbela Espanca, desenha-se ainda em contrabando de sentimentos inolvidáveis.
In illo tempore, eram atributos de beleza glosados por poetas e poetristes em espaços encantados pela arte de amar, corpos rechonchudos de meninas com olhos grandes, tez branca como a neve, seios roliços, nariz aristocrático... (Deixemos as qualificações para o apêndice nasal por ser aquele pedaço de rosto que está sempre a empancar onde não deve, proibindo beijos à maneira de Hollywood). E Cupido, divertido lançador de setas, tentava a sorte edificando Ilhas dos Amores onde as ninfas não se fizessem rogadas. À maneira de Camões, mais valia experimentar do que julgar...
Morrer de amor, uma seca? Portugal, que tanto amou, enquanto vagamundo das sete partidas, não desperdiçou liturgias afrodisíacas; alunas de Vénus e, logo depois, catedráticas em cantos de sereias com que engalanavam o chão ao ritmo dos Verdes Anos sempre atuais. Com a guitarra portuguesa que sabe toda a música de cor, mil vezes, meu Deus, escritores morreram de amor e renovaram, recriaram, ressuscitaram....
A narrativa parece sempre igual?
Em suma, em qualquer tempo, em qualquer lugar, só peca e pena quem nunca amou.
Pero da Ponte, trovador que se diz vítima de paixão não correspondida, explicava:
Se eu pudesse desamar
A quem me sempre desamou,
E pudesse algum mal buscar
A quem sempre mal buscou,
Assim me vingaria eu:
Se eu pudesse coita dar
A que me sempre coita deu.
Morrer de amor, grande seca? Quando poetas o dizem, morrer de amor foi / é lindo de morrer...