ANTÓNIO SALVADO REAVIVA A MEMÓRIA
A história do Bordado de Castelo Branco depois do 25 de Abril de 1974
O Bordado de Castelo Branco é um ex-libris da cidade e está agora na base de uma candidatura à Rede de Cidades Criativas da UNESCO, na categoria de Artesanato e Artes Populares. Por isso a Gazeta do Interior foi falar com António Salvado, que entre 1974 e 1989 foi o diretor do Museu Francisco Tavares Proença Júnior de Castelo Branco, instituição que teve um papel determinante no que se refere ao Bordado de Castelo Branco, depois do 25 de Abril de 1974.
António Salvado recorda que “em 1973 o Museu Regional Tavares Proença perde a designação de regional e passa à tutela do Estado”, sendo que “um decreto desse ano cria-lhe um quadro de funções e características daquele que seria o seu diretor”. Aberto o concurso para o lugar, António Salvado, que então era professor do Liceu Nuno Álvares, de Castelo Branco, julgando-se em condições académicas, e não só, para poder concorrer, assim o fez.
Em janeiro de 1974 é comunicado o resultado do concurso e António Salvado foi nomeado diretor do Museu, adiantando que “com a finalidade de não perturbar o funcionamento das aulas, pedi para tomar posse quando estas terminassem. Entretanto, em abril de 1974 ocorre a Revolução e o novo diretor acaba por ter dois despachos. Um anterior à Revolução e outro depois da Revolução”.
António Salvado recorda que “em 1974 já existia, de há uns anos, o Centro de Bordados Regionais da Mocidade Portuguesa Feminina, no qual se fazia a confeção de colchas e outros bordados, com uma dezena e meia de raparigas que aí desenvolviam o seu trabalho. Mas a Revolução implica que fossem criadas comissões liquidatárias da Mocidade Portuguesa, pelo que o Centro de Bordados Regionais é visitado por um oficial superior da Marinha, que tinha como função liquidar o Centro de Bordados Regionais”.
Mas não foi isso que aconteceu, uma vez que “o comandante Miguéns perante tal maravilha ter-se-á emocionado perante aquela que ali permanecia depois das responsáveis terem abandonado o local, Etelvira Sanches, a quem o comandante perguntou: isto é coisa de museu. Isto não pode acabar. Há cá museu em Castelo Branco?”. António Salvado destaca que Etelvira Sanches, que “tinha andado com o diretor nomeado ao colo, informou que sim e quem era o diretor”, sendo que “à tarde o recebi no meu gabinete. Foi um ótimo contacto e considerei desenvolver um processo junto da minha Direção-Geral. Não posso esquecer do efusivo abraço que o comandante me deu e despedimo-nos. Teve assim início um longo processo. Começaram os ofícios para a Direção-Geral do Património Cultural, nos quais procurava sensibilizar para o facto. Entretanto, e num gesto Quixotesco, e tendo em conta que o proprietário da casa onde se alojava o Centro de Bordados queria tudo de lá para fora, disse à D. Elvira: Agarras em tudo o que lá está e trazes para aquele anexo do Museu, que era a casa destinada ao diretor, da qual abdiquei, evidentemente”.
A partir daí, continua, “desenrolou-se um longo processo”, que acabou por dar frutos, pois “em 1976, e como consta dos meus relatórios de 1974 e 1975, e da minha insistência relativamente à importância cultural do Bordado de Castelo Branco, finalmente, em 1976, pelo Decreto 805 de 8 de novembro foi criada no Museu a Oficina-Escola de Bordados Regionais. Um decreto que altera em quase tudo o decreto de 1973 e as jovens senhoras viram-se funcionárias do Estado e a Oficina a desenvolver o seu labor”.
Nesta matéria António Salvado frisa que “dos seis funcionários do decreto de 1973, o Museu tinha agora trinta e tal trabalhadores da função pública, incluindo trabalhadores de vários monumentos do Distrito de Portalegre, monumentos que estavam sob a alçada do Museu, como o Mosteiro da Flor da Rosa, o Castelo de Belver e o Castelo de Amieira do Tejo, entre outros”.
António Salvado também refere que a Escola-Oficina porém, como parte integrante do Museu, não se tratava apenas de preservar, aperfeiçoar e respeitar o Bordado de Castelo Branco, no que há tradição diz respeito, mas também a sua função pedagógica em relação aos estabelecimentos de ensino, na ligação a investigadores que se interessassem pelo Bordado de Castelo Branco”.
Noutra vertente, adianta que, “evidentemente, que as receitas conseguidas pela venda de bordados, principalmente colchas, eram todas enviadas para Lisboa”, confessando que, “às vezes, dava dó ver-me com tantas dificuldades para gerir o universo museológico que eu próprio ia criando e ver tanto dinheiro a ser enviado para a Direção-Geral. Mas a compensação era que o número de turmas escolares aumentava em visitas. Portugal, a Península Ibérica e grande parte do Mundo ia tomando conhecimento do Bordado de Castelo Branco, havendo ainda o pormenor que não posso esquecer da visita ao Museu de grandes nomes da museologia mundial, como o Francês Hugues de Varine, e o Belga Per-Uno Ägren, que elogiaram todo o trabalho desenvolvido e em particular aquele que tinha origem na salvação do Bordado de Castelo Branco. Aliás Hugues de Varine continua a ser um verdadeiro amigo meu”.
António Salvado avança que, “em resumo, quem quiser ler o Decreto 805/76 de 8 de novembro posso afirmar que todo o preâmbulo é da minha autoria e que esse mesmo preâmbulo foi respeitado pela então Direção-Geral do Património Cultural”, questionando que “a não ser assim que destino iriam ter aquelas jovens mulheres que trabalhavam no Centro de Bordados Regionais da Mocidade Portuguesa Feminina”.
Por outro lado recorda que “é possível que em Lisboa e pessoas influentes tenham também contribuído para o fim em vista, que era conservar o Bordado de Castelo Branco, mas devo salientar que a aprovação do Decreto em muito dependeria do então secretário de Estado da Cultura, David Mourão Ferreira, por algumas razões meu extremado amigo”.
Perante tudo isto, António Salvado sublinha que “sinto-me na obrigação de sugerir, como Albicastrense, a quem se julgue sabedor da história do Bordado de Castelo Branco que utilize o máximo cuidado no que diga respeito à preservação do mesmo”, acrescentando que “é sabido que um pouco por toda a parte se faz Bordado de Castelo Branco. Cuidado, muito cuidado, criam-se postos de trabalho mesmo desvirtuando o Bordado?”. Tudo, para destacar que “nem só de pão vive o Homem, ensinou-nos Jesus Cristo”, assim como que “ninguém se lembraria de, estúpida e arbitrariamente, alterar elementos ou a estrutura da Custódia de Belém lavrada por Gil Vicente, em 1506, com o primeiro ouro trazido de Quíloa, por Vasco da Gama”.
António Tavares