UM TEXTO DE APRESENTAÇÃO
Macau - Um Homem, Dois Olhares do general Chito Rodrigues
Antes de vos dizer algo sobre o livro Macau - Um Homem, Dois Olhares - Razões de uma “descolonização exemplar”, título longo do qual cada segmento exigirá futuro comentário – antes de tal acontecer, dizíamos, gostaríamos de vos salientar alguns traços, fugidios e rápidos, da personalidade como homem e como militar do general Joaquim Chito Rodrigues. Personalidade que, pelo seu carácter de realidade diversificada, nos trouxe à lembrança alguns versos de Camões, dirigidos a el-rei D. Sebastião em véspera de partir para o norte de África onde ocorreria o desastre de Alcácer-Quibir:
Para servir-vos, braço às armas feito
Para cantar-vos, mente às Musas dada.,
que é como quem diz: numa mão sempre a espada e noutra a pena, versos também de sabor camoniano.
E porquê esta espécie de inter-semântica agora aplicada ao general Chito Rodrigues? É que o autor do livro em questão perfila-se simultaneamente como um homem de acção, talhado para combates e de homem de opinião, de ideias, de escrita, de paz. Na verdade, ao lado de um percurso profissional invejável, de oficial subalterno a oficial general, Chito Rodrigues hiperboliza-se também como um arauto da paz, da solidariedade, da fraternidade. E daí que o vejamos como Presidente da Liga dos Combatentes, Associação que, pela sua acção, ajuda a suavizar mágoas físicas e interiores de antigos militares que, cumprindo ordens, acreditavam, como eu digo em poema, “serem o barro de alguma ideia”. Simbiose, enfim, que transforma o general Chito Rodrigues em paradigma exemplar de um espírito superior, e de militar mais condecorado em toda a história militar portuguesa. O vos do verso camoniano corresponde, no ideário do nosso general, à sua pátria, a nossa pátria, Portugal; as armas revestem-se de sacrifícios de abnegação e, também, de esperança; o canto, o cântico musica-se com a palavra da escrita, da escrita de cunho denotativo, ou de cunho poético conotativo. E, neste tão curioso capítulo da sua criação, Chito Rodrigues publica Combate Corpo a Corpo, Manual de Autodefesa, Anatomia de um processo de paz, Visão estratégica e objectivos da Liga dos Combatentes; e, como autor do cântico, autor singular do texto poético, dá a lume: Segredos da Guerra e da Paz, Geração, Sempre um vapor acostado no cais, Pedaços de Alguém, Caminhos, Força Restante – livros onde, sem dificuldade de maior, encontramos poemas de rara beleza intimista, de recôndito confessionalismo, atravessados também pelos ecos de um poeta-patriota. E nesta breve resenha de criação excluímos as dezenas de artigos publicados em várias revistas ou de similares substâncias que fazem de Chito Rodrigues um escritor bem atento à circunstancialidade da sua e da vida dos outros. Longo seria enumerar as parcelas dessa resenha.
E porquê esta atracção tão nobre por Macau? Ouvi: o nosso general desempenhou, no âmbito civil, e por várias vezes, o cargo de Governador de Macau em exercício, foi aí Chefe do Estado Maior do Comando Chefe, Comandante das Forças de Segurança, Professor convidado da Universidade Católica Portuguesa, do Instituto de Estudos Políticos e membro da Academia de Letras e Artes. Deixamos de lado a sua acção no campo desportivo: esgrimista olímpico e membro fundador da Associação de Atletas Olímpicos.
E para que nos pareça ainda mais natural a atracção de Chito Rodrigues por Macau, recordemos alguns dados históricos relativos ao antigo território português. Em 1553 a China ofereceu a Portugal um determinado território como reconhecimento pela acção dos portugueses em libertar a zona de pirataria constante que assolava aquela península. Macau vai transformar-se como um entreposto importante entre o oriente e o ocidente. Ao longo dos tempos, Macau desenvolve-se, culturalmente e economicamente… D. João IV, após a Restauração, atribui-lhe o título de “Não há outra mais leal”. Em 1822, Macau tem o seu jornal A Abelha da China. Por um tratado de 1887, a China reconhece a perpétua soberania portuguesa sobre Macau. E o tempo passou… até 13 de Abril de 1987 – fica prevista a devolução de Macau à China – 1991, Dezembro, Macau é território chinês.
E antes de vos dizer que, neste seu livro, Chito Rodrigues segue, como historiador de factos históricos, a certidom da verdade, de que falava no século XIV o nosso primeiro grande historiador, Fernão Lopes, antes mesmo de vos sensibilizar para a leitura do admirável e insuspeito prefácio do General Ramalho Eanes, deixem que vos indique a estrutura que, desde os alicerces até à concretização da obra, materializa esta extraordinária página da história portuguesa contemporânea. Assim, sete partes dividem a seriação diacrónica dos acontecimentos, cada uma formalizando segmentos de capítulos em número variável e em dimensão exigida pela narrativa. E todas estas parcelas, e todos estes andares a convergirem na alma e no corpo do território chamado Macau. E, se quiserem conhecer alguns pertinentes meandros que enevoaram a chamada descolonização, leiam o prefácio de teor insuspeito, repito, do General Ramalho Eanes. Ficarão talvez surpreendidos com determinada verdade histórica.
O livro de Chito Rodrigues valoriza-se, acima de tudo, pelo facto de nos revelar, pormenorizada e exaustivamente, Macau como aldeia, vila, cidade – com seus sentires e seus viveres. E, quando se trata de nos pintar belezas, belezas macaenses, atentemos na capacidade descritiva (de grande prosador) de Chito Rodrigues. E depois? Depois eis-nos perante uma obra prima histórico-narrativa esculpida com o martelo e o cinzel sobre as ondulações ideológicas do Movimento das Forças Armadas e do Conselho da Revolução, e das hesitações da capital Lisboa-militar a olhar sem grande desvelo para Macau, por ignorância. Impressionante como Chito Rodrigues (avisemos que o seu livro não se lê como um romance…) continuamente hiperboliza peripécias, tensões, tendências, aventuras, antinomias rebeldes lisboeto-militares relativamente a Macau, nunca abdicando duma serenidade singular própria de um historiador de relevo.
Quero recordar-vos esse momento tão peculiar e triste que foi o arriar da bandeira portuguesa, dobrá-la e pedir-lhe para se conformar e ignorar os olhos de choro do último Governador ao entregar a bandeira das quinas ao General Chito Rodrigues. Eis um profundo e magoado poema de Chito Rodrigues, «Farrapo Amado»:
Nem a dignidade, nem a história
Têm a força de um Sol Nascente.
Ó Farrapo velho por que choro
Flutuas centenas d’ anos de memórias
No mastro de um império decadente
Que te arria com honras que ignoro.
Do outro lado da esfera armilar
Festeja-se o regresso à Pátria Mãe.
Deste lado, vejo gente chorar
Pela saudade da Pátria que não tem.
E só em ti, Farrapo a flutuar,
Revê passado e futuro que aí vem.
Ao arriar este Farrapo amado
Haverá por isso que ser exigente.
Honras, militares, Força Armada.
O desejo e força do Sol Nascente
Respeitando História do passado,
Respeitará História da sua gente.
Não será pois um arriar qualquer,
Arriar oriental, Farrapo amado
Comoverá Homem e a Mulher
Que a História foi levando a seu lado.
Hoje, ciente de que é assim que quer,
Fechará porta d’ Império Sagrado.
António Salvado