Lopes Marcelo
A VOZ DOS SINOS
Seja considerada voz de Deus ou voz do povo; o som dos sinos é bem a memória profunda do tempo, perene bandeira de identidade enquanto símbolo representativo da comunidade que enlaça os ritmos e sobressaltos terrenos com a ânsia do sublime e as invocações do transcendente.
No âmbito do património cultural popular, a história, o significado e a relevância material e imaterial dos sinos, constitui um tema de grande importância social enquanto património da nossa memória individual e colectiva, que é urgente salvaguardar.
Os sinos são instrumentos musicais muito antigos. As primeiras referências colocam-nos no segundo milénio antes de Cristo. Há fontes que referem terem os sinos antecedentes na Mesoptânia e daí difundiram-se pela Ásia Central.
O uso dos sinos no antigo Egipto esteve intimamente ligado ao culto do Deus Osíris. É de assinalar que Moisés teve a sua educação entre a classe sacerdotal egípcia e, mais tarde, foi um dos introdutores dos sinos nas cerimónias da religião judaica. Os sinos mais antigos, eram de bronze ou de ferro e de um modo geral eram ornamentados com motivos guerreiros, mitológicos ou místicos. Tinham um formato ovóide e eram tocados pela parte exterior através de um grande maço, ou utilizando um cilindro de metal ou de masseira, colocados de forma paralela e horizontal ao sino, como ainda acontece nos templos budistas.
À Europa terão os sinos chegado através de Bizâncio entre os séculos III E IV. No início do século IV Constantino, Imperados de Roma, reconheceu finalmente de forma oficial a religião cristã que, ao expandir-se, integrou os sinos provenientes da civilização greco-romana onde já eram utilizados na abertura de eventos, nos mercados e momentos de culto. Estando os sinos já em uso nos Mosteiros, com destaque para os Beneditinos, a sua colocação nos templos cristãos foi decretada pelo Papa Sasiniano. Contudo, apenas no século XIII se incrementou a colocação dos sinos nas torres das igrejas ou em campanários e a respectiva função passou extravasar o âmbito religioso, abrangendo toda a comunidade.
No “Vocabulário Portuguez e Latino” de Raphael Benteau, consta: “Os sinos com os quais se congrega o povo para ouvir o clero anunciar, tiveram princípio nas trombetas de prata, que na lei escrita chamaram os israelitas para os sacrifícios no Tabernáculo; e são os sinos muito mais sonoros que as ditas trombetas, porque com estas Deus era conhecido na Judeia, e com os sinos é Deus conhecido em todo o mundo”
Na Península Ibérica formada por vários reinos, existia a tradição de se tocar o sino para juntar os nobres, correspondendo ao toque do sino a rebate mais tarde usado para juntar o povo na organização de resposta a ataques exteriores e a calamidades.
O uso dos sinos nas igrejas para chamar os fiéis, bem como os toques com funções sociais e culturais, acompanha a humanidade há vários milénios.
Há quem levante a questão de saber de quem são os sinos? Da igreja ou do povo? A maior parte dos toques são da igreja mas o sino como objecto muito valioso em termos materiais foi quase sempre custeado pelo povo que juntava os contributos de todos para concretização de mais um projecto assumido colectivamente. No sentimento partilhado por sucessivas gerações, o sino é eterno porque embora se desgaste e até rache, regra geral é refundido gerando um novo sino que renasceu do anterior.
O valor de cada sino é muito maior, muito mais simbólico, do que o seu custo da fundição em metal. O sino para a comunidade é testemunho da sua história. É símbolo de Identidade, voz de Deus e voz do povo.
Na perspectiva de valorização e salvaguarda da memória colectiva das nossas comunidades continuaremos a contribuir para a divulgação dos nossos valores e símbolos mais representativos.