João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
TEMPOS HOUVE EM QUE AS CIDADES se organizavam em bairros. Os bairros desenvolviam-se num espaço físico de alguma forma delimitado e era uma comunidade de verdadeiros vizinhos, relações de proximidade, com amizades, mas também algumas vezes inimizades, onde as pessoas se preocupavam com a vida dos outros, por vezes em demasia. Enfim, os bairros eram (ainda são?) aldeias na cidade, habitados em parte por gentes da aldeia que por vários motivos foram para a cidade e que no bairro replicam as formas de vida e relacionamento das suas terras de origem.
Se nas cidades de média dimensão, como as da Beira Interior, Castelo Branco é um bom exemplo, os bairros com o meritório esforço de associações locais ainda vão mantendo os traços identitários pelo convívio e atividades desportivas, recreativas e culturais, nas grandes cidades, Lisboa em particular, o espírito de bairro está a perder-se com uma rapidez impressionante. E acontece pela pressão turística, o alojamento local (AL), as rendas proibitivas que expulsa os antigos moradores, que eram a vida, o colorido do bairro, que atraíam os turistas. Hoje eles circulam por Alfama, Mouraria ou Bairro Alto e apenas se cruzam com pessoas da mesma condição, turistas.
Já há jornais e revistas estrangeiros que dizem estar Lisboa a perder os atrativos, porque perdeu a identidade. É um problema que afeta outras cidades europeias. Em Paris, a presidente da Câmara está a tentar aplicar as ideias de Carlos Moreno, urbanista especialista em sistemas complexos, colombiano a viver em Paris há mais de 20 anos, professor na Sorbonne, que defende a chamada cidade dos 15 minutos. “A ideia que tivemos foi propor um novo estilo de vida urbano num perímetro curto, para todas as funções sociais essenciais, que são seis: viver, trabalhar, comprar, cuidar, educar e divertir-se. E um grande incentivo à bicicleta.”
Era assim a vida nos bairros. Pelo menos na grande cidade. As alterações aconteceram à frente dos nossos olhos com uma rapidez avassaladora. Comecei a trabalhar no Bairro Alto, num jornal, nos anos 70. Era o Bairro Alto dos jornais, todos ali se faziam, os jornalistas eram os melhores clientes da meia dúzia de restaurantes e muitas tascas que ali existiam. Voltei nos anos 90. Encontrei o mesmo espírito de bairro, os jornais já eram só dois, mas aumentou o número de restaurantes e alguns bares (Frágil, Três Pastorinhos...) eram poiso certo e diário de nomes sonantes da socialite, da cultura e das artes. Mas as pessoas continuavam lá. As crianças continuavam a jogar futebol na rua. As pequenas mercearias e lugares de frutas não faltavam, As figuras típicas do bairro circulavam entre tascas e recados.
Em dez anos, no início do século XXI, Lisboa está na moda e no radar turístico do Mundo. Tudo se alterou, os velhos do bairro foram morrendo e as casas transformadas em AL vendidas ou alugadas a preços estratosféricos. Das muitas dezenas de lugares de fruta e hortaliças, também lugar de tertúlia feminina, restam meia dúzia. As tascas típicas, onde se cantava o fado vadio, são agora bares de venda de bebidas para consumo na rua. Enfim, a gentrificação terminou definitivamente com a vida de bairro. Isto acontece em todos os bairros ditos típicos. Felizmente, não acontece ainda nas cidades do nosso Distrito, e julgo que as nossas autarquias tudo farão para o evitar. E há estratégias e políticas para manter viva a vida de bairro.