Maria de Lurdes Gouveia Barata
HISTORIETAS DE PRAIA
Praia ocidental da zona centro, delineada no Atlântico bem azul com aquele sol de Verão que sabe bem à beira-mar. Um pouco de vento parece tornar mais nítido o contraste dos dois azuis do horizonte. Pelo sim, pelo não, um guarda-vento para uma leitura mais sossegada e mais quente. A paz duma tarde da silly season, como agora se diz do período que se vive num estio afastado daquele quotidiano de agitação e barulho e pressa em ambiente citadino.
Ela, a minha amiga, levantou os olhos com o ruído de chegada à praia de um casal, reformado talvez, ou talvez não. Ela descansou da leitura, observou a instalação para morada de praia. Do contacto entre os dois deduziu a prevalência do macho para dispor: o guarda-sol que tentava resistir ao vento que se intensificava (a tarde prometia-se ventosa) e mais tarde o passeio dele a cruzar-se com a caminhada da leitora junto ao mar, ele de telemóvel de que se ouviam palavras soltas de negócios. Depois novamente o descanso nas instalações de acomodamento de praia.
Intensificou-se o vento. A esposa do macho estava sossegada, apenas atenta ao que o momento determinava. A minha amiga leitora definiu, rindo-se por dentro, uma primeira caracterização: a Múmia e o Macho. E continuou a ler. Levanta os olhos: rajadas mais fortes agitavam guarda-sóis que abanavam nas pontas como lanternas de arraial. Até que… o guarda-sol da leitora soltou-se, não compreendia bem como, e começou num rebolar louco pelo extenso areal, afastando-se em vertigem de bailado, como se fosse um desempenho de palco. E Ela olhava, como se sentisse um fascínio de espectáculo.
E o Macho dirigiu-se a Ela, nervoso, irritado com a inactividade, interveniente numa medida que repusesse as coisas no lugar: «A Senhora não vê o seu guarda-sol pela praia fora?! E fica aí sem fazer nada?!». E Ela, a leitora, levantou-se para ombrear com a intrusão: «Como quer que eu vá atrás daquele guarda-sol?! Como é possível?» E o Macho afastou-se resmungando, talvez atarantado com o que devia considerar uma atitude de louca. E Ela sentou-se a ler.
Na hora de sair da praia, as suas duas jovens companheiras, uma delas a neta, tomaram conhecimento da ocorrência, que Ela contou a rir. No regresso, lá no afastamento de um lugar, foi reconhecido o pobre do guarda-sol, de que a neta ainda se aproximou, caminhando um pouco: era mesmo pobre guarda-sol – roto, com algumas varetas tortas ou partidas, que a sua aventura de dançar no vento tinha implicado.
Todavia, o Macho tinha cumprido (na sua consciência) um dever: chamar a atenção de uma mulher, que devia ser louca. Nos seus critérios de comportamento só poderia ser loucura.
A segunda historieta, que faz parte desta cronicazinha sobre a estação de gozar veraneios despreocupados, passou-se numa praia algarvia.
Caminhava eu à beira-mar com uma amiga. Maré vazia, um areal molhado e plano, reluzente, facilitando o passo. Pequenas ondas de espraiamento, com rumorejo doce, que só as brincadeiras das crianças, as vozes dos adultos e os pregões Bolinhas [de Berlim], Bolacha Americana, perturbavam.
Íamos junto da beirinha onde as ondas faziam o fluxo de recuo meigo. «Atenção, desviar, lá está uma alforreca! Esteja morta ou viva provoca alergias!». E continuámos em conversa de praia e férias. O sol batia-nos nas costas que, apesar dos cremes protectores, já picavam de calor.
De repente, senti muitos salpicos de água nas costas e nas pernas, que parecia gelada pela diferença de temperatura. Estremeci e dei um ai voltando-me para trás (à espera que fosse um dos nossos companheiros de férias com uma partidinha). Vimos um casal, tipo quarentão, que caminhava mais rápido atrás de nós, dando pontapés na água como fazem as crianças para levantar salpicos. Fiquei meio admirada e meio irritada, como a minha companheira, e eu nem sequer lhes dirigi a palavra e comentei: «É preciso uma lata e uma falta de respeito!». Mas eles ouviram. Pelo menos, ele. Já nos tinham ultrapassado e voltou-se para trás para dar uma lição: «Estamos em férias! São férias!» e repetiu: «São férias!». Causou-me tanto espanto o descaramento, que nem abri boca. Já se tinham afastado e eu disse para a minha companheira: «E esta? Eu devia ter respondido que ele nada percebe de liberdade! Apesar das férias, não tem o direito de incomodar os outros. É onde lhe acaba a liberdade!». Os critérios de comportamento na despreocupação da praia eram decerto os mesmos que tinha durante a sua actuação quotidiana.
Rimo-nos. Mas rimos dele. Rir é o melhor remédio. Não valia a pena perturbar a maravilhosa manhã de mar!