Edição nº 1751 - 20 de julho de 2022

Maria de Lurdes Gouveia Barata
CONTRARIEDADES

A palavra contrariedade pode ter mais ou menos peso no significado que transmite, com o acréscimo do sentimento despertado e um contexto de experiência em que utilizamos contrariedade / contrariedades. Por exemplo, distrairmo-nos sobre a data dum espectáculo em que temos muito interesse e perdê-lo é uma contrariedade, por algo contrário a um prazer imaginado, talvez desencadeie uma irritação, adia-se a hipótese de ver o espectáculo noutra altura, mas passa – é azar, entrave que poderá ser remediado. No entanto, contrariedade pode tornar-se adversidade, decepção relativamente a alguém que considerávamos amigo, com quem contávamos e que nos causou desgosto, porque nos enganámos sobre essa pessoa. É mais pesado o efeito dessa adversidade, porque nos traz o desengano. É pesada também a contrariedade provocada por doença.
Porque me lembrei de falar de contrariedades? Porque vivo um contratempo, um incómodo, que passa a transtorno por impedimento físico e psicológico, devido a CONFINAMENTO COVID. Depois de uma semana abraçada de corpo e alma ao mar azul do Algarve, a contrariedade do malvado vírus torna-se uma chatice. Agora, presa por uns dias, lembro-me de pequenas coisas que queria fazer e tenho impedimento, seja por não poder sair e concretizá-las, seja por indisposição de grande constipação e de dores musculares que me irritam. Veio-me à lembrança o famoso poema de Cesário Verde, «Contrariedades», sobretudo a primeira estância, normalmente decorada:
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente,
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Uma boa informação para mim, que sempre anima: fumei, mas não vou em três maços de cigarros! A quinta estância do poema referido apresenta como primeiro verso: «O obstáculo estimula, torna-nos perversos;» e este obstáculo Covid deu-me como estímulo a raiva de lhe chamar nomes em voz alta (eu estava sozinha, ninguém me ouvia). Uma outra contrariedade (pequena e de futilidade) é que tenho de ir trocar uma blusa a uma loja e não posso sair… Não vou cair nas frases estafadinhas da pandemia prolongada e de as nossas vidas nunca mais voltarem ao mesmo e vou abandonar o tema para menosprezar o vírus…
Por experiência recente volto a contrariedades, que se relacionam com EDUCAÇÃO DOS FILHOS. Não é deformação profissional, é uma contrariedade - incómodo por testemunho. Os pais são os primeiros educadores, são educadores para sempre. A escola tem um papel importantíssimo na educação, mas é transitória, e nem todos os agentes educativos têm a mesma competência de desempenho. Aquela contrariedade que vem perante certas «cenas» de meninos com birras, porque contrariados nas suas vontades, foi o estímulo das seguintes referências:
- Há dias, num café, um pai pega numa criança dos seus três, quatro anos, coloca-a numa mesa na altura livre, volta-se de costas para ela lhe lançar as mãos ao pescoço e poder transportá-la às cavalitas (exemplo de atitude para que a criança aprenda…);
- Irritou-me aquela mãe (mais do que a criança de três ou quatro anos, que começou a mexer em tudo na loja, desarrumando prateleiras), uma mãe sempre sorrindo, cheia de bonomia (devia pensar como o seu menino era activo e esperto!), sempre achando graça, - então, Pedrito, isso não se faz! – sobretudo quando o dono da loja desviou a criança com um «aqui, não!»… Segurei muito a língua para não intervir, mas eu já estava de saída…
- Esta contaram-me há pouco tempo, não fui testemunha: num festival havia decorações com bolas apelativas, que decerto se embrulhavam na imaginação. Uma criança, sob olhar materno protector, começou a puxar com força, a arrancar, a brincar. A funcionária que estava a tomar conta chamou a atenção da mãe, se continuasse assim, teriam de sair do recinto. Que indignação a daquela mãe, tão amorosa com o filhinho! Indignou-se e foi fazer uma reclamação por escrito! Não me deram mais pormenores, mas digo que gostava mesmo de ter lido aquela reclamação;
- E aqueles miúdos que deitam o papel do gelado acabado de comprar no primeiro chão que encontram?
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
(Cesário Verde, «Contrariedades»)
O exemplo dos pais vai sempre educar no bom ou mau sentido. Ouvi um programa televisivo (muito recentemente) que falava de violência doméstica, em que a vítima dizia: à mínima contrariedade ele partia para a agressão. O comentário de um médico presente: «nunca o contrariaram, quando o educaram». Vem ao encontro do que disse o psiquiatra brasileiro Içami Tiba: «Nenhuma criança nasce folgada, ela aprende a ser».
Defendo que o exemplo dos pais, a atenção e o diálogo educam para ter limites, adquirindo valores e respeito pelos outros. A vida vai desenrolar-se com contrariedades. Como disse Pitágoras: «Eduquem as crianças e não será necessário castigar os homens».
Por aqui me fico e acho mesmo insensato amar só ácidos, gumes e ângulos agudos. São momentos. É tempo de amar azul de céu e mar.

20/07/2022
 

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